PORTO VELHO – O às vezes impenetrável universo das relações familiares carrega, em determinadas circunstâncias, um circo de horrores, mas também há histórias de benevolência, cuidado e amor fraterno. 

Mas todas se assemelham, com suas multifacetadas idiossincrasias cotidianas: as histórias tem o mesmo roteiro, mudando apenas os personagens e os endereços.

A editoria deste expressaorondonia pinçou este artigo sobre a divisão da herança entre os filhos e propõe a seguinte reflexão: seria justa aos filhos que se dedicam a cuidar dos pais na doença e na velhice uma parte maior da herança?

O autor do artigo, advogado Leonardo Antônio Soares Barbosa o fez com o propósito de informar se quem de fato assistiu os pais na velhice ou durante a vida terá um direito sucessório maior do que os outros herdeiros

Acompanhe o artigo na íntegra:

Apesar de muitos acharem que terão uma herança maior por cuidarem dos pais em vida, não há qualquer disposição quanto a isto, pois trata-se além de uma obrigação moral e ética, também legal, por força do previsto no art. 229 da Constituição Federal.

Como é feita a divisão da herança?

Em regra, todos os herdeiros sucederão os bens de seus pais de forma igual e harmônica, feita também a meação em relação ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.

Tal divisão da herança se dará conforme previsto no Código Civil, em especial ao art. 1.829 do CC, no qual são previstos o rito de sucessão hereditária, com a ordem que ocorrerá a divisão em cada caso.

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – Ao cônjuge sobrevivente;

IV – Aos colaterais.

O rito do art. 1.829 ocorre sempre que o autor da herança não houver deixado testamento, quando este for nulo ou contestado por seus herdeiros ou quando não englobar todos os bens que tinha em vida no momento de seu falecimento.

A sucessão se dá no exato momento do falecimento do de cujus, sendo transmitidos a seus herdeiros todo o seu patrimônio existente neste momento. Se a pessoa teve mais bens em vida, mas os vendeu, doou o perdeu a propriedade, estes não serão comunicados aos herdeiros.

“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Quanto a realização de testamento, o seu autor somente pode dispor livremente de 50% de seus bens, conforme preceitua o art. 1.789 do CC. Este percentual deve ser resguardado aos herdeiros necessários, e visa lhes assegurar sua subsistência e que eventuais credores do falecido possam executar a dívida, observando o limite nem sempre claro entre os bens deixados e os particulares dos sucessores.

“Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.

Herdeiros necessários são os ascendentes, descendentes e cônjuges ou companheiros do de cujus.

Quanto aos filhos, não há diferenciação se concebidos dentro do casamento, unilaterais ou extraconjugais, pois tal violaria a dignidade da pessoa humana.

Já a união estável, pode ser reconhecida após o óbito, sendo necessários requisitos suficientes para comprovar-se, em especial a intenção de constituir família e a relação ter sido pública e contínua.

Em relação aos outros 50% dos bens que podem ser dispostos por herança, o seu autor pode fazer o que bem entender, dar a uma fundação, instituição de caridade ou beneficiar qualquer outra pessoa, mesmo que não faça parte da família.

Esta é a chamada livre disposição, justamente por não haver uma limitação de sua amplitude.

Porém, como visto acima, se a pessoa não realizar testamento ou qualquer outra forma de transmissão patrimonial em vida, o rito sucessório será o do art. 1.829, não havendo como limitar a transmissão patrimonial aos 50% destinados somente aos herdeiros necessários e os outros a última vontade do de cujus.

Neste caso, todo o patrimônio será destinado aos herdeiros, em parcelas igualitárias, em regra, salvo se algum tiver renunciado a herança, sido considerado indigno pela justiça ou deserdado pelo de cujus.

Caso ocorram as hipóteses acima, os herdeiros de quem renunciou ou não pode herdar o substituirão no direito sucessório.

E quanto a doação?

A doação por ser um contrato em regra gratuito e unilateral, pode ser realizado pela pessoa a qualquer momento, mas também deverá respeitar limitações obrigatórias.

As chamadas doações inoficiosas são ilegais, e, portanto, nulas de pleno direito. Doação inoficiosa é toda aquela que ultrapassa o limite de 50% que deve ser resguardado obrigatoriamente aos herdeiro necessários, seguindo a mesma regra da disposição de bens por testamento, conforme o art. 549 do CC.

“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Também pode ser considerada inoficiosa a chamada doação universal, que consiste na transmissão gratuita de todos os bens da pessoa em vida, de forma que prejudique sua renda e subsistência.

Tal limitação visa resguardar a dignidade da pessoa humana do autor, e que este não passe a situação de vulnerabilidade social. Também serve para garantir o pagamento a seus credores, tendo em vista que muitos “doam” seus bens a laranjas ou empresas de fachada. É prevista no art. 548 do CC.

“Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

Essas modalidades de doação são consideradas nulas de pleno direito, e portanto, incapazes de gerar efeitos civis ou de se convalescerem pelo decurso do tempo.

Quanto as doações válidas, o autor que a realiza em relação a herdeiro necessário, está antecipando seus direitos sucessórios, e o que lhe cabe por herança, conforme previsto no art. 544 do CC.

Diferentemente do que ocorre na compra e venda ou permuta entre ascendestes e descendentes, não é necessária a outorga dos outros filhos ou do cônjuge, mas para ser devidamente válida deverá ser informada pelo beneficiário no momento da abertura da sucessão.

Tal procedimento é chamado de colação, e visa que os herdeiros informem no momento do falecimento do de cujus todos os bens que lhe foram antecipados gratuitamente, seja por doação ou cessão possessória.

Se não feita, o herdeiro beneficiário perderá os bens antecipados aos outros. A tal punição se dá o nome de sonegação. É prevista nos arts. 1.992 e 2.002 do CC.

“Art. 1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.

“Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Portanto, qualquer herdeiro que recebeu bens antecipadamente em vida deverá comunicar no momento oportuno.

IV – Existe possibilidade a um quinhão hereditário maior?

Portanto, a única possibilidade de um herdeiro ganhar uma herança maior é se o de cujus o contemplar com a parte disponível de seus bens em caso de testamento.

O fato de ajudar os pais ou qualquer outra pessoa em vida não importará em um quinhão hereditário maior, e pensar desta forma é torpe e vil, pois demostra que a pessoa somente está interessada no patrimônio que poderá receber.
Apesar de os filhos serem os herdeiros naturais dos pais, não significa dizer que irão receber a herança, pois dependerá de uma séria de fatores, como quem falecerá primeiro, se de fato terão bens a serem transmitidos e se algum dos herdeiros será considerado indigno ou será deserdado.

Tais dúvidas podem ser sanadas em outro artigo que publiquei:

Posso impedir meus pais de venderem seus bens para “preservar” a minha herança?

Além do mais, conforme preceitua o inciso IV do art. 1.962 do CC , aquele herdeiro que não cuidar de seus pais ou ascendentes em vida em caso de grave enfermidade de natureza física ou mental poderá ser excluído da herança ou do testamento.

“Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I – Ofensa física;

II – Injúria grave;

III – Relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV – Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

A enfermidade física ou mental para ser considerada grave deve ser aquela que impede que os pais realizem atos da vida civil sem o auxílio de terceiros que outrora praticavam sem maiores problemas, como realizar tarefas domésticas e sair de casa sozinho.

A idade avançada, apesar de não poder ser considerada enfermidade ou deficiência também pode importar em seus efeitos, se ocasionarem limitações que impeçam a execução de atos da vida civil de forma livre e independente, como sair de casa ou administrar seus próprios bens. As principais causas destas limitações na terceira idade são problemas físicos ou as diversas formas de demência, como o Alzheimer.

Ou seja, além de não poder reclamar “direitos” a uma herança maior em relação aos outros herdeiros que em pouco ou nada contribuíram, aquele que não ajudar os pais em momento de enfermidade poderá ser deserdado por este, conforme o art. 1.962 do CC.

Conclusão

Portanto, àquele que cuida dos ascendentes em vida não tem direito a um quinhão hereditário maior, pois tal ato dependerá exclusivamente da vontade do de cujus, que não pode ser limitada ou impedida por terceiros.

Autor: Leonardo Antônio Soares Barbosa é advogado inscrito na OAB/RJ nº 233.437

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