LÁBREA — Com grande extensão territorial, Lábrea, no sul do Amazonas, que tem apenas 47 mil pessoas, é quase toda floresta. A mistura de pouca gente e quase nenhuma fiscalização faz da cidade um motor do desmatamento no Amazonas. Em pouco tempo, o estado, que sempre teve uma das áreas mais preservadas da Floresta Amazônica, pode superar o Pará, historicamente o mais vulnerável a criminosos que desmatam para extração de madeira, grilagem e conversão de terras em pastagens.

Os sinais de que as quadrilhas avançaram sobre a Amazônia, em 2022, são uma das principais conclusões do Relatório Anual de Desmatamento (RAD) do MapBiomas lançado ontem. Os números mostram que Lábrea assumiu o primeiro lugar do ranking de cidades com maior área desmatada no Brasil, superando pela primeira vez o município de Altamira (PA).

O resultado reforça que a tríplice fronteira entre Amazonas, Acre e Rondônia, chamada Amacro, se consolida como a principal frente de desmatamento nacional. O estudo analisou 76.193 alertas do ano passado de diferentes sistemas de monitoramento, como a plataforma do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) e outros bancos de ONGs e universidades.

Desde a primeira edição do trabalho, iniciado em 2019, nunca se constatou tamanho desmatamento: foram derrubados dois milhões de área de floresta em 2022, 22,3% a mais do que em 2021. No ano passado, a cada segundo, 21 árvores eram cortadas na Amazônia.

Em toda a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que afrouxou a fiscalização ambiental, uma área de 6,6 milhões de hectares foi desmatada, o que equivale ao território de um estado do Rio de Janeiro e meio. Os maiores problemas foram na Amazônia e Cerrado, que concentraram 90% das áreas derrubadas.

Desde 2021, o Amazonas passou a ficar com o segundo lugar no ranking por estados. Ano passado, foram desmatados 274 mil hectares, 37% acima do total de 2021. Entre os cinco municípios com as maiores taxas do país, dois ficam no estado: Lábrea e Apuí.

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AMEAÇA DE MORTE

O sul do Amazonas tem concentrado crimes ambientais nos últimos anos. Em 2019, a bancada ruralista do Congresso desenhou o projeto para criação de um polo de agronegócio, que era apoiado na gestão passada. O MapBiomas aponta que 99% dos três mil alertas de desmatamento em Lábrea, entre 2019 e 2022, tinham como principal vetor a pressão da agropecuária.

— É muita terra e pouca gente, os grileiros e madeireiros se aproveitam dessa ausência do estado. Escolhem uma área de floresta para desmatar, vendem as madeiras nobres e o resto é queimado. Quando a área está limpa, fazem o pasto, e ao mesmo tempo a terra é grilada. Uma coisa leva a outra, são vários crimes — explica o fotógrafo Edmar Barros, nascido em Lábrea, que mora em Manaus e todo ano vai até as cidades da Amacro flagrar imagens do desmatamento.

Ainda criança, Barros entendeu o processo porque as queimadas atiçavam problemas respiratórios. O cenário, de acordo com ele, que foi ameaçado de morte em 2021 por denunciar o desmate, se agravou com o incentivo ao garimpo e o empoderamento da grilagem. Além disso, Lábrea fica no final da Transamazônica e próxima à BR-319, o que facilita a ação dos criminosos.

— O céu laranja de Nova York é comum em Lábrea — observa. — Você anda dois mil quilômetros e não vê um policial, um agente do Ibama.

Segundo o RAD 2022, a Amacro teve 231 mil hectares de área desmatada, 11,3% do total verificado no país e 19,4% do que foi perdido na Amazônia. Uma área que cresceu 12,3% no ano passado. O avanço só não supera o que aconteceu em Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a antiga e principal fronteira do desmatamento. Lá, 541 mil hectares foram desmatados, 26,3% de todos os cortes no Brasil.

99% dos três mil alertas de desmatamento em Lábrea, entre 2019 e 2022, tinham como principal vetor a pressão da agropecuária

NOVO EPICENTRO

Além do investimento em pessoal e estrutura, uma outra medida para frear o desmatamento seria a destinação das terras públicas a unidades de conservação ou comunidades indígenas e de uso sustentável, defende Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

De acordo com o RAD 2022, apenas 1,4% de todo desmatamento do Brasil no ano passado aconteceu em Terras Indígenas; e 0,05% em comunidades quilombolas. O retrato reforça a ideia de que eles são guardiões da floresta.

— Parte considerável do desmatamento da Amazônia acontece em floresta pública não destinada, e o sul do Amazonas tem concentração grande dessas áreas — diz Alencar, observando que é grande a possibilidade de o Amazonas se tornar o grande epicentro do desmatamento.

Secretário Extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima diz que há um projeto em estudo para a regularização ambiental nos sete municípios do sul do estado com recursos do Fundo Amazônia. Ele disse ainda que, no primeiro semestre deste ano, o Ibama já aplicou 179% mais autos de infração do que a média dos últimos quatro anos na Amazônia.

— Além de reforçar o controle, o estado chega com a mão amiga para apoiar a regularização ambiental de quem tem direito por lei — diz Lima, que defende a necessidade de monitoramento do desmate em tempo real

BRUNO ALTINO
O Globo
Fotos: Galileu, O Globo

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