RO, Sexta-feira, 26 de abril de 2024, às 19:08



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Histórias de Jaru – O inesquecível 1983 em Serra Sem Calças, inflacionada até o pescoço

JARU e BRASÍLIA – Se atualmente os preços dos principais produtos secos e molhados, da carne e dos combustíveis estão inflacionados, imagine-se no auge do garimpo de mina, 38 anos atrás. Naquela ocasião, o ministro das Minas e Energia César Cals recebia em seu gabinete o presidente da Companhia de Mineração de Rondônia (CMR), geólogo Djalma Lacerda.

Em efervescência, o garimpo da Serra Sem Calças, em Jaru, era manchete em jornais de Porto Velho.

– É melhor que ela abra mão desses mil hectares de terras antes que seja tarde e dê confusão – Lacerda sugeria a Cals.

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Em outubro de 1983, Jaru era uma aventura tão desafiadora quanto Serra Pelada, no Pará. Na Serra Sem Calças, o capital mandava e os requeiros (*) penavam.

Ansiosa tomar conta de tudo, a Atinambé Minérios encontrava pela frente três mil garimpeiros enlameados, intrépidos e persistentes.

O Jornal do Brasil me enviou àquela cidade, a 292 quilômetros de Porto Velho. A Atinambé detinha 50 mil hectares cobertos por alvarás de pesquisa.

A média de produção alcançava dez quilos de ouro por semana, no entanto, aqueles homens trabalhavam duro para obter dez gramas ao dia. Cada grama valia 14 mil e 500 cruzeiros.

Atacado pela segunda vez pela malária – a primeira foi no Embaúba –, o paranaense Licurgo Azevedo Coutinho, 23 anos, casado, dois filhos, lamentava:

– Não sei se vou aguentar até o inverno.

Anteriormente, Licurgo teve a febre no garimpo Embaúba. E o cearense Astreu Soares Maia, 25, o consolava. Ele também já fora vítima da doença no Abunã, fronteiriço à Bolívia e gastara 30 mil cruzeiros em medicamentos.

Dono de uma farmacinha, o goiano Edgar Araújo, 45, dos quais, 22 percorrendo garimpos em Mato Grosso, Pará e Rondônia, cobrava 15 mil cruzeiros por um coquetel antimalárico à base de quinino e antiartríticos [usados no tratamento de artrite reumatoide]. Vizinho dele, um dentista prático extraía dentes por três mil cruzeiros.

Burros transportando motores e querosene subiam a serra. Assentados, moviam bombas de lavagem do cascalho. Os bamburros aconteciam em quatro propriedades agrícolas da Linha 603 do Projeto Padre Adolpho Rohl, do Incra, a 33 quilômetros da cidade.

A garrafa plástica de água mineral custava 700 cruzeiros. Autorizados, os garimpeiros perfuravam os primeiros poços nos grotões. Atoleiros dificultavam o acesso.

A Atinambé reeditava o cenário dos anos 1960 e 70, período em que Província Estanífera de Rondônia era explorada e monopolizada por empresas multinacionais mineradoras, cujas máquinas gigantescas no meio da floresta traduziam o poder estrangeiro nesta parte da Amazônia Ocidental Brasileira.

Além da “recuperação do ouro”, a peleja com a Atinambé tornava-se um fator complicador na vida de cada um. Era preciso sobreviver, o que implicava sucessivas compras no comércio da cidade, cujos preços eram bem mais acessíveis.

Nos bolichos do garimpo, o quilo de arroz custava 700 cruzeiros; feijão 2 mil; o pacote de 2 Kg de açúcar mil; sal 400; óleo de salada 1.500; farinha d’água mil; o pacote de bolacha de água e sal 600; carne 3.500; a garrafa de pinga, 2 mil.

A serra estava inflacionada até o pescoço.

MONTEZUMA CRUZ

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* Catadores de restos de minério






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