WASHINGTON, D.C. e PORTO VELHO – O rondoniense Samuel Saraiva não para: na condição de ex-suplente de deputado federal pelo extinto território federal e há anos morador no Condado de Maryland (Washington, D.C.), colabora frequentemente com o Estado Americano. Hoje, 11, ele apelou para providências legais “que se adequariam exatamente a São Paulo, uma das mais populosas cidades do mundo.” Saraiva enviou carta ao Senador Benjamin L. Cardin, propondo bônus em dinheiro, dias extras de férias, e condecoração por excepcional profissionalismo, para agentes da lei que deem prioridade à utilização de equipamentos não-letais – sem causar mortes.

Ousado, utópico? Seja como for, Saraiva põe o dedo na realidade e na ferida americana: “Diferentes segmentos representativos da sociedade, entre os quais os cidadãos e a mídia formadora de opinião, têm se empenhado em buscar soluções para a preocupante escalada da violência que causa a perda de vidas humanas, impondo-nos irreparáveis prejuízos, e sobrecarregando as cortes de todo o país com demandas milionárias de reparação”, lembrou Saraiva.

Samuel Saraiva

– A polícia de São Paulo poderia fazer isso: em vez de incentivar a matança, e diante do ranço ideológico, melhor faria adotar a boa medida, concedendo um bônus aos policiais que atuem dentro da lei, e não executem o criminoso. Por pior que tenha sido o crime por ele praticado, ignora-se a sua realidade, os problemas que enfrenta, a exclusão, sua alma e sua família, sua vida, enfim. Quando o criminoso nada tem a perder, marginalizado que está pela sociedade, como se sentirá?

O Senador Benjamin, Ben Cardin é líder nacional em meio ambiente e incansável defensor do respeito pelos direitos humanos a fim de que sejam integrados à política interna e externa americana.

Eleito pela primeira vez para o Senado em 2006, Cardin atua atualmente como Presidente do Comitê de Pequenas Empresas e que está na vanguarda da reconstrução econômica nacional. Ele é membro sênior das comissões de Relações Exteriores, Finanças e Meio Ambiente e Obras Públicas do Senado.

Senador Ben Cardin, dos Estados Unidos

Para Saraiva, sua proposição ao senador resultaria no incentivo à pacificação e reconstrução “da desgastada relação de confiança entre o povo e os agentes policiais em toda a União Americana.”  “Criaria um clima de respeito mútuo e confiança: se estabelecido, o bônus em dinheiro como prêmio para a ação policial responsável e pacífica haverá um merecido reconhecimento da sociedade para os agentes das forças públicas de segurança, e um estímulo para a evolução e a humanização da metodologia atualmente utilizada.”

A carta, na íntegra:

Exmo. BENJAMIN L. CARDIN
U.S. Senator from Maryland – Capitol Hill
509 Hart Senate Office Building,
Washington D.C., 20510

Olney, MD., 11 de setembro de 2023

Sumário: Solicita a Vossa Excelência que apresente ao Comitê Judiciário do Senado dos EUA as seguintes propostas, com o objetivo de contribuir para a humanização da ação policial contra as minorias empobrecidas e os imigrantes: 1. Que se torne obrigatória nas ações policiais a disponibilização das tecnologias não letais — ou menos letais — existentes hoje, sem prejuízo da utilização de armamento letal em circunstâncias excepcionais; 2. Que sejam outorgados aos agentes da lei que deem prioridade à utilização de equipamentos não letais, colocando criminosos sob custodia sem mortes: bônus em dinheiro, dias extras de férias, e condecoração por excepcional profissionalismo.

Senhor Senador Cardin e Honoráveis Membros do Comitê Judiciário:

Vossas Excelências estão em posição que lhes permite compreender que a leitura correta da realidade será sempre aquela que considera a voz das ruas, a qual transmite os anseios mais legítimos de um povo, e é a fonte do poder político.

Há décadas os Poderes Executivo e Legislativo, por meio do Comitê Judiciário do Senado, com jurisdição sobre a legislação criminal, têm debatido sem o sucesso desejado a questão do uso excessivo de força e truculência pela polícia. Diferentes segmentos representativos da sociedade, como os cidadãos e a mídia formadora de opinião, têm se empenhado em buscar soluções para a preocupante escalada da violência que causa a perda de vidas humanas, impondo-nos irreparáveis prejuízos, e sobrecarregando as cortes de todo o país com demandas milionárias de reparação.

Infelizmente, não se alcançou ainda uma solução razoável e duradoura, que realmente reflita o escopo do problema. Essa tendência tem causado pesado sofrimento sobretudo às minorias étnicas: afro-americanos, latinos/hispânicos, nativos americanos, asiáticos, e imigrantes do Oriente Médio, que juntos formam a parcela mais vulnerável da população americana. Entre as vítimas estão veteranos que retornaram das guerras e não receberam o devido acompanhamento psicológico, cidadãos com problemas mentais, usuários de drogas, e famintos oprimidos pela pobreza. Um forte sentimento de desigualdade e exclusão os tortura impiedosamente, impelindo-os diariamente aos limites da resistência.

Recentemente a Universidade de Washington elaborou um projeto de mapeamento dos Movimentos Sociais Americanos. Esse trabalho cita 152 assassinatos de homens e mulheres negros desarmados, cometidos pela polícia e por linchamentos, entre 1945 e 1951. Eles são exibidos no mapa interativo e detalhados, um por um, em um relatório que o Congresso dos Direitos Civis ofereceu como prova para responsabilizar os Estados Unidos pelo genocídio contra os afro-americanos. A Petição Histórica às Nações Unidas para Alívio de um Crime dos Estados Unidos contra o Povo Negro (1951) é tão relevante hoje como foi em sua própria época.

A enorme petição (com mais de duzentas páginas) foi entregue às Nações Unidas em Paris, em dezembro de 1951, e procurava demonstrar que o Governo dos Estados Unidos violava a Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio. A Convenção sobre a Prevenção e Punição do Genocídio foi adotada em 1948, após o Holocausto.

“We Charge Genocide” documentou, além dos 152 assassinatos, 344 crimes de violência contra afro-americanos e abusos cometidos pelos Estados Unidos contra os direitos humanos de seus próprios cidadãos, entre 1945-1951. Isto representou apenas uma pequena amostra, uma vez que a maioria dos crimes contra os negros não foram registrados.

O manifesto publicado pela pesquisadora Susan A. Glenn destacou que” antigamente o método clássico de linchamento era a corda. Hoje é a bala do policial. Para muitos americanos, a polícia é o representante mais visível do governo. As evidências sugerem que o assassinato de negros se tornou uma política policial nos Estados Unidos.” (pp.8-9)

Uma pesquisa da ONG UnidosUS, publicada na CNN em 29/05/2021, pela jornalista Nicole Chaves, revelou que “mais de 2,6 mil latinos foram mortos pela polícia no período de seis anos antecedente a maio de 2021.  Adrianne Murchinson, repórter do The Atlanta Journal-Constitution, relatou, em matéria de 25 de maio de 2022, dois anos após a morte de George Floyd: “Apesar  do verão de 2020, de indignação e tentativas de reforma da justiça criminal, o número de vítimas mortais envolvidas em ação policial aumentou nos últimos três anos. Mais civis e policiais estão morrendo durante confrontos violentos, ou enquanto estavam sob custódia de autoridades.” Aumentaram consideravelmente os pedidos de responsabilização da polícia entre a comunidade hispânica nos últimos meses, após a morte de meninos e homens latinos em confrontos com a polícia.

O medo de interações com as autoridades policiais não é um fenômeno novo, mas o assassinato de George Floyd foi, sem dúvida, um divisor, marcando uma ruptura nas relações entre policiais americanos e comunidades há muito preocupadas com o tratamento injusto dado às minorias por policiais e pelo sistema de justiça criminal.

É inadiável a adoção de mecanismos de humanização da ação policial, de modo a resgatar a confiança do público nos agentes policiais, que devem ser protetores, e de modo a reduzir o número de mortes de civis e dos próprios policiais, a partir do princípio que “Todas as vidas importam.”

Não estamos mais nos tempos de capturar “vivo ou morto”. Hoje há uma profunda consciência sobre a importância do respeito a vida em todas as sociedades democráticas e avançadas. A crueldade dissimulada se torna letal quando o psicopata, fingindo ser bom e justo, infiltra-se nas corporações policiais, para agir de forma covarde e arbitrária. Isso causa um mal irreparável à sociedade, que não aceita o corporativismo fomentando a impunidade, e desgasta a imagem das organizações policiais, que não merecem ser denegridas por ações criminosas isoladas de alguns dos seus membros.

As duas medidas aqui apresentadas podem incentivar a pacificação desejada e reconstruir a desgastada relação de confiança entre o povo e os agentes policiais em toda a União Americana, criando um clima de respeito mútuo e confiança: se estabelecido, o bônus em dinheiro como prêmio para a ação policial responsável e pacífica haverá um merecido reconhecimento da sociedade para os agentes das forças públicas de segurança, e um estímulo para a evolução e a humanização da metodologia atualmente utilizada.

Parece-me oportuno relembrar que, há exatamente 24 anos, encaminhei aos Senadores do estado de Maryland, Paul Sarbanes e Barbara Mikulski uma proposição para exame, sugerindo a utilização de dardos tranquilizantes pela polícia.

Nas cartas que me foram enviadas, Mikulski referiu-se à proposta como “muito interessante”. Já o senador Sarbanes assegurou que pediria “um exame cuidadoso” e encaminhou-a ao Comitê Judiciário.

O jornalista Frank Curiere noticiou a proposta em 10 de marco de 1999, no

jornal The Gazette, publicado na área metropolitana de Washington, D.C., sob o título: “Residente de Wheaton propõe uso de projéteis tranquilizantes pela polícia.”

Conforme argumentei naquela oportunidade, em algumas situações, um policial tem poder superior ao de juízes, pois decide sobre a vida ou a morte de um cidadão, sem ter, no entanto, o respaldo e a capacidade de interpretação de um juiz.

Encontrar soluções inteligentes é um desafio à consciência e à razão de todos. A força deve ser exercida como um último recurso extremo; o assassinato de um ser humano deve ser evitado a todo custo. A utilização de opções não-letais ou menos letais apresenta-se racionalmente como uma solução de natureza impositiva. A implementação da proposta poderia aportar significativa contribuição para os objetivos filosóficos e práticos aqui explicitados. Não podemos deixar o caos como legado para as gerações futuras; seria uma prova vergonhosa de incompetência.

A dor que castiga as famílias das vítimas só será amenizada com humanização, pacificação e justiça, começando pela adoção de mudanças sem esperar ominosamente por outras catástrofes.

Tenho confiança, honorável senador, que a visão de sua assessoria e dos técnicos do Egrégio Comitê Judicial do Senado irão detectar nas frias letras dessa mensagem a expressão de um clamor por empatia e justiça social, sob a forma de uma resposta ao ressentimento com vistas à pacificação da nossa sociedade.

Temos a responsabilidade de dar um bom exemplo a outras nações, em diferentes planos, mas em especial quanto ao respeito e observância aos direitos humanos. Somos uma vitrine para o mundo civilizado e não podemos tolerar qualquer tipo de violência ou abuso de poder atentatórios aos princípios da democracia que nos rege e inspira.

“A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”

John Donne, poeta inglês do século 17

MONTEZUMA CRUZ

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