RO, Quinta-feira, 25 de abril de 2024, às 11:17



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Envio de refugiados para Ruanda é desumano

O primeiro voo para o Ruanda foi marcado para ontem. No mesmo dia, o autoritário regime ruandês, suspeito de perseguir dissidentes, foi acusado de invadir a vizinha RD Congo. Refugiados à procura de segurança no Reino Unido vão ser enviados para o Ruanda, numa viagem de mais de 6.400 km, sem volta. O primeiro voo, com 31 pessoas, incluindo sírios, iraquianos, albaneses e iranianos, segundo a ONG Care4Calais, foi marcado para terça-feira, o início de uma política descrita como sendo desumana por críticos, ou como inovadora pelo Governo de Boris Johnson.

O assunto está em destaque na 1ª página da edição desta quarta-feira, 15, no jornal i, de Lisboa.

Não que uma coisa contradiga a outra: a Dinamarca, também conhecida pelas suas políticas duras no que toca à imigração, quer seguir o exemplo britânico e já está em negociações com o Ruanda, anunciou o regime de Paul Kagame.

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O autoritário Presidente ruandês, acusado de reprimir a oposição com ameaças, tortura ou “desaparecimentos”, bem como de mandar assassinar dissidentes no estrangeiro, tem negado que o motivo para aceitar receber requerentes de asilos enviados pelo Reino Unido seja o investimento de 120 milhões de libras (quase 140 milhões de euros) no Ruanda anunciado pelo Governo britânico. “Ouvi algumas pessoas dizer que o Reino Unido nos deu dinheiro, por quererem despejar pessoas aqui”, queixou-se Kagame em abril, numa conferência de imprensa. “Não estamos envolvidos na compra e venda de pessoas. Não podemos fazer isso porque é contra os nossos valores base”.

Outros têm grandes dúvidas quanto aos valores do regime de Kigali. Aliás, no mesmo dia em que se iniciava o esquema de envio de refugiados, o Ruanda era acusado de invadir os seus vizinhos da República Democrática do Congo (RD Congo). Bunagana, no leste do país, foi tomada, forçando mais de trinta mil civis a fugir face aos avanços dos M23, avançou a Reuters. Trata-se de uma milícia rebelde, liderada por tutsis, a etnia de Kagame, que o Ruanda é suspeito de apoiar, de maneira a controlar os ricos jazigos minerais congoleses, sobretudo cobalto, ouro e diamantes.

“As forças de defesa do Ruanda desta vez decidiram violar a nossa integridade territorial ao ocupar a cidade fronteiriça de Bunagana”, declararam as Forças Armadas da RD Congo, em comunicado. Considerando que isso “não é menos que uma invasão”, algo negado por Kigali.

Ditador nas boas graças do Ocidente? O regime de Kagame, apesar dos sucessivos relatos de abusos dos direitos humanos, sempre teve um certo estatuto privilegiado aos olhos dos dadores internacionais. Não é de estranhar: Foi o seu partido, a Frente Patriótica de Ruanda (FPR), que acabou com o genocídio dos tutsis, em 1994, tomando o poder. À luz da crueldade do regime hutu, a etnia maioritária, foi fácil ao mundo esquecer os massacres de que os guerrilheiros de Kagame são acusados durante esse período.

Kigali tem lançado campanhas publicitárias cada vez mais notórias em países ocidentais. “Visite o Ruanda”, lê-se nas braçadeiras dos jogadores do Arsenal – Kagame é fervoroso adepto do clube – e do Paris Saint-Germain, algo que se estima custar um total de quase vinte milhões de euros anuais a um dos países mais pobres do mundo.

Já o Governo britânico não só é acusado de querer enviar refugiados para um país onde violações dos direitos humanos são recorrentes, como de o fazer em violação da lei internacional.

“Todos os seres humanos têm o direito de procurar e de beneficiar de asilo noutros países”, exige o artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, levando grupos de direitos humanos – a própria Igreja Anglicana declarou o envio de refugiados para o Ruanda de “desumano” – a desafiar o Governo de Johnson em tribunal. Mas os ativistas saíram derrotados do Supremo Tribunal a semana passada, permitindo que o voo inaugural ocorresse.

A situação chegou ao ponto de Johnson ter sugerido que o Reino Unido poderia ter de sair da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, avançou o Guardian, de modo a que fosse mais difícil a justiça bloquear a deportação de requerentes de asilo.

É que quase todos os que receberam ordens de se meterem no no avião para o Ruanda recorreram à justiça, com apoio de ONGs, sem sucesso até esta terça-feira. Mas “o mundo do direito é muito bom a arranjar maneiras de tentar parar o Governo de cumprir com o que consideramos ser uma lei sensível”, queixou-se ontem o primeiro-ministro britânico.
Já os argumentos do Governo britânico de que o Ruanda é um país seguro são questionados. Não só está envolvido numa série de conflitos de guerrilha, com ataques sobretudo no leste e sul, como mais de metade dos 12 milhões de ruandeses vivem na pobreza, segundo o Banco Mundial, com pouco ou nenhum acesso a cuidados de saúde.

O Governo britânico também é acusado de ter dois pesos e duas medidas. Gente de alguns países em guerra, como a Síria, estão em risco de ir parar ao Ruanda, ao mesmo tempo que o Governo de Johnson já se comprometeu que refugiados da Ucrânia estão isentos.

Só o fa

to de o Ocidente ainda manter relações com Kagame enquanto este invade a RD Congo mostra isso mesmo, considerou Denis Mukwege. Este ginecologista foi galardoado com um prêmio Nobel em 2018, por operar mais de 21 mil vítimas de violência sexual, muitas delas violadas por milícias que Kagame é suspeito de apoiar.

“O sofrimento das pessoas aqui não é diferente do sofrimento das pessoas noutras guerras”, notou Mukwege, segunda-feira, citado pelo Politico. “Na crise da Ucrânia, o Ocidente respondeu. Enviou milhares de milhões para a Ucrânia e impôs sanções à Rússia. Como é que fecham os olhos a sofrimento noutro lado? Não vejo diferença nenhuma”.






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