RO, Sábado, 27 de abril de 2024, às 4:58



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ENTREVISTA DA SEMANA – Doutor em direito da cidade defende submissão da gestão pública às audiências públicas e fortalecimento das ouvidorias

Uma audiência pública é muito mais que uma mera exposição de motivos e argumentos, ela é algo que nos remete à mais essencial mudança conceitual trazida pela Constituição de 1988

PORTO VELHO – Trinta e cinco anos depois da promulgação da Constituição Cidadã – como o doutor Ulysses a denominou, ao presidir o ato de promulgação da nossa atual Carta Magna – muitos direitos ali estabelecidos não passam de letra morta, em contraste com o flagelo da população menos afortunada em áreas como saúde e segurança, para ficar apenas em dois dos exemplos mais gritantes da falta de compromisso dos gestores públicos com os direitos do cidadão. 

Quando se detém um pouco mais a pesquisar sobre os direitos previstos na Constituição para facilitar a participação da sociedade na gestão pública, descobre-se que providências simples que poderiam facilitar a relação do poder público com o cidadão são negligenciada, talvez por incompetência e visão embaçada sobre gestão pública ou por mero desejo de não abrir mão de poder.

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Questões como estas são o pano de fundo de uma pesquisa concluída recentemente pelo professor universitário e doutor em direito da cidade, Marcus Vinícius Rivoiro, cujas conclusões caem como luva a administração de Porto Velho, no momento em que se debate processos importantes como a parceria público privada para recolhimento e destinação do lixo urbano, por exemplo.

Com doutorado em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o professor Marcus Vinícius Rivoiro, docente do departamento de ciências jurídicas da Universidade Federal de Rondônia (Unir), agrega em seu currículo décadas de atuação profissional na comunicação. Na intersecção dessas duas áreas, se concentra o foco de seus trabalhos de pesquisa científica: a comunicação social como instrumento de garantia de direitos fundamentais.

Nesta entrevista, o professor Rivoiro alerta para a indispensabilidade da concretização do direito à informação no âmbito municipal, para a promoção do desenvolvimento urbano sustentável, conciliando conceitos, que, como ele destaca, não podem ser reduzidos a meros recursos de retórica.

Qualidade do gasto público, planejamento participativo e liberdade de opinião e expressão são alguns deles, ensina o professor.

Confira a entrevista:

Qual o principal entrave a ser enfrentado na promoção do desenvolvimento urbano sustentável?

A falta de efetiva participação social nos processos de planejamento e gestão das cidades, a meu ver, é o que mais permite que os problemas surjam, se avolumem ou se repitam. Então, numa visão estratégica, pode-se constatar que o que hoje emerge como algo a ser providenciado pelos gestores públicos é a adoção de instrumentos legais que assegurem o diálogo entre as administrações municipais e os munícipes. Isso é fundamental para que, em vez de performances desenvolvimentistas, promova-se o real desenvolvimento urbano sustentável.

Que instrumentos legais seriam esses?

O que se evidencia a partir dos estudos que temos feito é, principalmente, no nível das regulamentações. Não basta contarmos com dispositivos constitucionais que preconizam princípios, tampouco com leis que estabeleçam obrigatoriedades, mas é preciso termos normas regulamentadoras que estabeleçam como fazer, como proceder. Até porque, quando se trata de comunicação, é preciso levar em consideração diversos fatores culturais, costumes, peculiaridades de cada coletividade comunal. A comunicação institucional deve instigar o diálogo, não se pode restringir a algo unidirecional, com ares terminativos, pairando sobre as cabeças dos cidadãos. Esse tipo de discurso só é aceitável em campanhas de interesse público, como as campanhas de vacinação ou de mobilização social em grandes desastres. Fora isso, deve sempre haver espaço para que o cidadão opine. A pior forma de cerceamento da liberdade de expressão e de opinião nos dias de hoje já não se pode dizer que seja solitariamente a censura, mas, lado a lado com ela, a omissão, por vezes dolosa, quanto à promoção do acesso à informação e o acolhimento efetivo às manifestações dos cidadãos.

As ouvidorias têm cumprido sua missão?

Os serviços das ouvidorias deveriam ser objeto de contínua, ou pelo menos frequente, auditagem. Não tanto para avaliar a capacidade de ouvir, mas a de serem ouvidas pelos gestores e de obterem deles respostas que atendam efetivamente aos anseios de quem recorreu a elas. Não se pode admitir que, nas normas que instituem estruturas básicas organizacionais das administrações municipais, as ouvidorias sejam reduzidas a caixinhas ligadas por linhas horizontais nos organogramas, sem que haja regulamentações, em decretos e portarias, de como os técnicos e gestores devem se conduzir diante das demandas por informação que lhes são levadas pelos ouvidores.

Vista área da cidade de Porto Velho — Foto: Leandro Morais/Prefeitura de Porto Velho

Por que o senhor enfatiza essa necessidade de regulamentação?

Porque é preciso estabelecer parâmetros objetivos a serem aplicados na aferição de condutas e identificação de responsabilidades. Mas isso com mais foco na identificação de demandas por conscientização e treinamento do que nos aspectos disciplinares voltados a medidas punitivas. O importante é transformar a cultura organizacional. E isso não se restringe ao contexto das ouvidorias. Quando se trata de planejamento participativo, de licenciamento ambiental ou de outras questões ligadas à realização de audiências públicas, é necessário que estas não se resumam a meros ritos homologatórios das decisões previamente tomadas em gabinetes. Uma audiência pública é muito mais que uma mera exposição de motivos e argumentos, ela é algo que nos remete à mais essencial mudança conceitual trazida pela Constituição de 1988. Pois se antes se dizia, na Constituição de 1967, que “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”, na Carta de 1988 vamos ter outra conceituação: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. “Todo o poder” significa o poder em todas as suas dimensões, não se limita, portanto, ao poder decisório em si, mas ao poder de rever uma decisão legislativa, como no caso do referendo; ou o poder de iniciar um processo legislativo, por meio da iniciativa popular. Mas, no caso das audiências públicas, é preciso que consideremos o poder de arguir, de questionar, de contra-argumentar, pois ele pode gerar subsídios tanto para que a administração pública exerça a autotutela, como para que o Ministério Público se posicione e o Poder Judiciário decida. Por isso é muito importante dar visibilidade às atas desses procedimentos.

Como o senhor tem visto os processos de comunicação nos chamados planejamentos participativos? 

O planejamento participativo não é um evento, mas um processo contínuo que culmina na formatação de novo planejamento a cada quadriênio. Os clamores sociais precisam ser auscultados no momento em que as demandas ocorrem. Não é lícito presumir que dali a dois ou três anos estejam ainda com a mesma força presentes na memória popular. Então, por mais que haja um zelo no diálogo com a sociedade no exato momento de apresentar novo planejamento plurianual, é preciso manter um diálogo contínuo, para não ocorrer do planejamento com larga periodicidade surfar na onda social do momento, priorizando demandas emergentes, em detrimento de quaisquer outras igualmente importantes. Também é importante observar a necessidade de que nesse diálogo com o homem comum se utilize a linguagem técnica na medida em que ela é necessária, pois do contrário não se terá um discurso técnico, mas, sim, um discurso tecnocrático, o que é algo incoerente com a necessidade de que os gestores e técnicos se despojem da pretensão de validade do discurso, aspecto para o qual Jurgen Habermas alerta em sua teoria do agir comunicativo.

www.expressaorondonia.com.br, com colaboração de Abraham Weintraub






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