PORTO VELHO – O presidente da Seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil, Márcio Nogueira, reafirma a bandeira de luta pelo Estado de Direito, negando quaisquer ideologias partidárias: “Queremos cooperar para que o Brasil avance”, ele disse. “A partir de janeiro próximo, o nosso partido é a OAB e a nossa ideologia é a Constituição Federal.”

Com dez mil advogados associados, a OAB-RO acumula cerca de 70% de inadimplência, razão porque baixou o valor da anuidade, a fim de evitar dificuldades em 2023. Em entrevista ao expressaorondonia.com.br logo após o 2º turno das eleições, ele se diz orgulhoso da atuação, incluindo-se aí o trabalho realizado com pessoas encarceradas.

Nogueira manifesta-se a respeito de crimes de parlamentares: “quando julga deputados federais e senadores na esfera criminal o STF se expõe. “É algo esdrúxulo, isso não existe nos Estados Unidos.” “Mandato de 12 anos seria um tempo adequado para os ministros”, entende. “Seria uma ruptura grave pensarmos neste momento, abruptamente, aposentar todos os ministros.”

Como a OAB-RO vai se comportar com o novo governo que assume em janeiro?

Márcio Nogueira – O modo como a OAB vai se comportar no governo que se inicia em 2023 é a neutralidade, sem assumir o lado A ou o lado B, sem assumir direita ou esquerda. O nosso partido é a OAB e a nossa ideologia é a Constituição Federal. E é assim que vamos nos portar.

Alguns disseram que a OAB pendeu muito para o PT

Acho que alguns brasileiros que estão no lado direito têm essa visão e é importante que a Ordem tenha o equilíbrio para não cair nessa armadilha (política). Só temos condições de ajudar o Brasil a fortalecer sua democracia se estivermos neutros do ponto de vista político-partidário. Se nos colocarmos à esquerda ou à direita, perdemos a legitimidade construída ao longo de 92 anos de história.

Márcio Nogueira: “Fortalecemos a democracia se estivermos neutros no ponto de vista político-partidário”

De que maneira o senhor vê a proposta de concurso do Supremo para ministro e tempo de mandato?  

Posso falar o meu ponto de vista, pois não existe um debate formal ou posição da Ordem sobre estas matérias. Sou a favor do mandato. No Brasil não funcionou bem o modelo norte-americano. Lá é vitalício. Acho que aqui o mandato de 12 anos seria um tempo adequado para que cada ministro construísse um legado relevante e mais do que isso é muito poder exercido por tempo demais. “Seria uma ruptura grave pensarmos neste momento, abruptamente, aposentar todos os ministros, pois as regras do jogo devem ser cumpridas do começo ao fim, mas certamente a Corte precisa de algumas reformas, por exemplo, que o STF não tivesse competências penais.”

O julgamento de parlamentares, por exemplo…

Quando julga deputados federais e senadores na esfera criminal o Supremo se expõe. É algo esdrúxulo. Isso não existe nos Estados Unidos, a Suprema Corte norte-americana julga questões constitucionais, dá a última palavra sobre temas de extrema relevância. Tivemos uma restrição e o próprio Supremo reconhece que é uma competência que faz mal, tanto que recentemente eles (os ministros) reinterpretaram a Constituição para limitar consideravelmente, porque antes, toda e qualquer ação criminal contra deputado e senador era do Supremo. Não faz muito tempo mudou esse entendimento e começou a restringir, porque não tem que ser relativo ao mandato, no exercício do mandato e já diminuíram os casos criminais, pois o Supremo não deveria julgar deputado ou senadores em nenhuma das situações.”

Na Corte norte americana, de vez em quando chega um caso de repercussão, e eles acabam formulando essa última interpretação. Estou me referindo na verdade à competência originária, essa criação do nosso maior tribunal julgar originariamente parlamentares. O Supremo não deveria ter nenhuma instância criminal.

Os colegas não vão dizer o direito de defesa está sendo suprimido, tirando do STF essa questão criminal, porque a instância passaria a ser o STJ. 

O papel da OAB é ajudar a fortalecer as instituições democráticas. A Ordem voltou à normalidade, na minha compreensão. Na presidência anterior tínhamos manifestações que eram flagrantemente inclinadas para um dos lados do espectro político-partidário, e agora com a presença do presidente BetoSimonetti voltamos a ter uma ordem que é neutra do ponto de vista político partidário e que atua para fortalecer instituições. Poderia dar vários exemplos de atuação da Ordem. Aquele episódio que tem que ser lamentado: a reação de Roberto Jefferson à prisão dele, e a OAB prontamente foi ao Tribunal Federal para assegurar que os advogados tivessem acesso, pois a primeira decisão determinava a prisão e tem um trecho em que dá a entender que advogados não teriam acesso. A Ordem peticiou e despachou com o ministro Alexandre Morais, e ele na sequência decidiu que aquilo não incluía os advogados habilitados para a defesa do Roberto Jefferson. Então, é um momento crítico: se a Ordem se coloca de um dos lados, ela perde a neutralidade.

Por que reduzir o valor da anuidade em Rondônia?

Temos um problema hoje muito grave que é o da inadimplência, pois a pandemia nos colocou numa situação muito difícil e isso refletiu negativamente na OAB. Temos um índice de inadimplência beirando os 70% e tem sido desafiador manter a Ordem em funcionamento nesse cenário. Penso que a solução para isso é inovar, pensar em modelos novos de arrecadação. Não foi apenas uma medida de redução da anuidade, fomos além e repensamos o modo de captar recursos. Você sabe que a única fonte de recurso da Ordem é a contribuição do advogado faz, não recebemos nenhuma subvenção pública de nenhuma das esferas de poder. Mantemos nossas atividades com o dinheiro que recebemos da advocacia.

Em relação ao STF: quando o direito das pessoas é cerceado, em alguns casos, o senhor não acha que a OAB fica calada? 

Nosso sistema tem e-mails para coibir ministros que ultrapassam suas atribuições.

O Senado não se mexeu em nenhum momento…

Veja bem, porque no seu ponto de vista há algo que deveria ser reprimido, mas o que eu estou comentando é que hoje temos ali forças que estão funcionando. O Senado e a Câmara estão funcionando. O Supremo está funcionando, se por um acaso há algum excesso de crime de responsabilidade, é a casa adequada para julgar.  A OAB não quer o caos, ela está cada dia mais focada em ajudar as instituições a lidar com os desafios. É muito difícil fazer Ordem porque uma Ordem que fala e atua demais é criticada em um quadrado de um dos lados.

“Uma Ordem que se mantém neutra do ponto de vista político partidário e atua naquilo que é essencial para preservar a democracia é tida como tartaruga e entre esses dois modelos prefiro o segundo.”

Prefiro a peja de tartaruga do que assumir uma bandeira vermelha ou uma bandeira da direita ou então alguma outra. Defendemos no Brasil.

Na condição de advogado e presidente da OAB, o senhor entende que em algum momento a atuação do Supremo invadiu ou extrapolou de suas competências?

Vivemos um dos momentos mais críticos dos últimos anos. Aquele gesto do desfile das Forças Armadas perante o Supremo é alarmante. E num ambiente desses houve medidas mais duras de parte a parte, mas não vejo como ruptura democrática. Essa invasão de competência à qual você se refere, é o que a Constituição Federal coloca lá como freios e contrapesos, então um poder que contém o outro é algo previsto na Constituição Federal.

O Supremo não se colocou como poder máximo no Brasil, principalmente nestas eleições?

Quando pensamos que o caminhar de um e de outro, o mais importante que vejo é que vivemos numa democracia. Temos uma situação agora muito preocupante que são esses movimentos, para ficar para ilustrar em situações concretas temos agora uma série de movimentos que se colocam contra o resultado da eleição. E aí eu fico imaginando, que que se quer com isso? Nós temos um resultado oficial proclamado e reconhecido pelos presidentes da Câmara e do Senado, pela chefe do Poder Judiciário, ministra Rosa Weber; reconhecido por setores do atual governo, e ainda assim há um ambiente que estimula o povo nas ruas, não reconhecendo o resultado das urnas.  Internacionalmente vários governos já parabenizaram a eficiência do Brasil na proclamação do resultado das eleições. Tenho absoluta tranquilidade que os votos colocados nas urnas estão refletidos no resultado da eleição. O sistema é matemático, é como se eu pegar uma caixa registradora daquelas antigas de supermercado, é conta matemática, não tem jeito, o que você coloca lá sai de lá. Esse sistema é analisado do avesso, indo e voltando.

Houve situações parecidas…

Na eleição que foi quase tão apertada quanto a que Dilma Rousseff venceu Aécio Neves, o PSDB conseguiu naquele período o direito de fazer uma auditoria posterior: revirou todo o processo e não conseguiu encontrar qualquer irregularidade. Agora mesmo com toda essa polêmica que foi posta sobre a confiabilidade das urnas, as Forças Armadas também agiu, e acho não ser esse o papel dela.

Presidente Márcio, essa denúncia a respeito da possível não veiculação das inserções do partido de Bolsonaro (PL), se fosse com o Lula será que teriam adiado as eleições?

Temos narrativas dos dois lados colocando o que seria um obstáculo ao regular exercícios da democracia. No dia da eleição no País inteiro é fato inequívoco que ônibus foram parados e pessoas tiveram dificuldade de chegar aos locais de votação. A Polícia Rodoviária Federal agia. O PT pediu formalmente que a eleição fosse encerrada mais tarde, para que não houvesse prejuízo e teve o pedido negado. É um ambiente de convulsão social. Há narrativas dos dois lados a corroborar eventual visto, mas não consigo enxergar nada, acho que o resultado tem que ser respeitado, e é hora de pacificar o País.

Dentro de uma possível modificação de parâmetros da política brasileira, como seria essa parte de julgar parlamentares e até mesmo a deposição do presidente de República?

Toda e qualquer solução tem que ser dentro do sistema, não fora. Para lidar com os desafios que estamos enfrentando agora com a nossa democracia. Estão dentro da democracia, não fora dela.

Temos um novo governo e uma série de desafios na saúde, regulamentação fundiária, e os problemas da justiça local. A OAB vai colaborar na solução de conflitos?  

Primeiro festejamos uma justiça eleitoral capaz de dar um resultado confiável em tempo recorde. É incrível que pouco tempo após o encerramento da votação saibamos que são os eleitos. Assim que soube do resultado da eleição local corri para minhas redes sociais para parabenizar o eleito. O que funciona é cooperarmos para juntos enfrentarmos os desafios do estado. Rondônia é um estado jovem que tem desafios colossais em todos os setores.

Inclusive a expansão da justiça…

Aí, você entra num ponto que diz muito respeito à Ordem. No ponto de vista do estado, quero deixar claro que a OAB se coloca em colaboração. Encerrado o período eleitoral, a Ordem quer cooperar para que tenhamos grandes avanços nos próximos quatro anos. Quanto ao Judiciário de Rondônia, é reconhecido nacionalmente como um dos mais eficientes, inclusive tem recebido vários prêmios, e nós aplaudimos.

Resultado das urnas: “Se eu pegar uma caixa registradora daquelas antigas de supermercado é conta matemática, não tem jeito, o que você coloca lá sai de lá.”

Tenho ouvido muitas reclamações de que o Juizado Especial Cível, por exemplo, marca audiências para outubro de 2023, e numa dessas questões trata-se de um senhor com mais de 70 anos. É normal? Como a Ordem analisa isso?

Vimos dialogando com o tribunal pedindo solução para esse problema. Inclusive, foram canceladas algumas audiências e reorganizadas algumas pautas que conseguiram trazer para mais perto. Apresentei uma proposta e torcemos para que a entidade acolha. Estamos criando na OAB uma Câmara de Conciliação e Mediação Privada.

 

“Acreditamos na cooperação. Acho muito melhor que sentemos para criar uma solução conjunta e tenho trabalho com essa perspectiva de ajudarmos o Tribunal a dar vazão a essas audiências.”Desde o governo Cassol, o Sistema Penitenciário de Rondônia recebeu uma compensação social milionária para cozinhas industriais. A OAB tem condições de cobrar o funcionamento desses equipamentos para que os presídios possam abastecer escolas, quartéis, entre outros?

 

Condições a Ordem têm. Confesso a você que não tenho muito conhecimento sobre essas cozinhas especificamente, então teria de dificuldade de aprofundar por desconhecer que elas existem, como elas estão colocadas hoje, se estão funcionamento.

De que maneira solucionar a cobrança em relação aos juízes do Tribunal da Justiça do Trabalho que não moram na Comarca, o que é constitucional e está na Lei Orgânica da Magistratura?

Vivemos num período sem absolutamente excepcional da pandemia e cada um foi se adequando àquela nova realidade. Passou a pandemia, assumi a presidência da Ordem e dialoguei com os tribunais e o TRT disse: olha, nós entendemos que agora é tudo digital, não tem mais nada presencial e obviamente quando é tudo digital isso favorece a que o juiz não esteja na comarca, porque ele pode de qualquer lugar do mundo acessar.  E aí recebi várias notícias de que juízes não estavam residindo nas comarcas, então, comecei com eles uma campanha para assegurar que todos morassem na comarca, retomandoque os atendimentos presenciais, porque acredito que o digital tem que ampliar todos os lugares em que a justiça está presencialmente. Ela deve permanecer o presencial e enxergo sempre o digital como ampliação de acesso, mas não conseguimos a concordância deles (TST e CNJ), e ao final chegamos a uma composição. Então hoje o TRT está assegurando o atendimento presencial aqueles advogados que optam pelo presencial e o digital. Acredito que conseguimos aí um bom resultado, pois dialogamos, lutamos, e o que interessa é a prerrogativa do advogado ser atendida.

Por que razão, quando se fala em direitos humanos, a Comissão de Direitos Humanos da OAB nunca vai à casa da vítima?

O objeto temático da comissão é assegurar àqueles que estão em posição de vulnerabilidade do ponto de vista dos direitos humanos. Veja bem, a Ordem tem várias comissões e uma delas se dedica a essa temática dos direitos humanos, então não vejo como uma coisa anula a outra. Quer dizer quer dizer que se eu não visito a família da vítima eu não posso dar visibilidade ao que é feito com a população carcerária?

“Hoje o TRT assegura o atendimento presencial aqueles advogados que optam pelo presencial e o digital.”

Quero refazer a pergunta: as vítimas nunca são objeto do olhar humano da Ordem? Ela se dedica a cuidar dessas populações em vulnerabilidade quando sabemos que muitas vezes esse preso matou um pai de família, que fica ali uma viúva com três ou quatro filhos e se não tiver um olhar de alguém e muitas vezes a Ordem já falou isso para mim, não mas o estado não faz. Deveria cuidar dessa família que foi vítima desse pessoa que está sendo cuidada, de onde podem sair outros bandidos. Não existe esse olhar da Ordem para a vítima desse preso que se busca proteger?

A Ordem atua em vários campos, e vamos pensar: será que aqui seria uma preocupação a mais do Conselho de Psicologia ou de algum outro conselho? Porque temos uma preocupação a princípio maior com o sistema de justiça. Dentro deste sistema existe uma população encarcerada que está colocada em condições sub-humanas e será que a Ordem deve fazer vista grossa para isso? Não entendo a incompatibilidade, pois em termos de instituição, a OAB tem o olhar voltado para esse sistema de justiça. Então, pergunto: o que a Ordem pode fazer em relação à família, se a questão é contemplar os dois lados? Aceito sugestões. As ações dessa comissão de direitos sociais ou essa ação de direito social por disciplina na casa dessa vida que tem direito, porque aí você contrapõe a esse discurso. Realmente é o que fica para quem está fora e entendo absolutamente visibilizado quem está nessa situação.

O que está sendo colocado agora por exemplo é que em crime de menor potencial ofensivo não se prende, mas o que está acontecendo? A pessoa começa roubando um botecozinho, ou bater numa carteira como diria em São Paulo, aí ele vai crescendo porque a impunidade dá direito, é mais ou menos por aí?

Desculpe, não entendi: como assim é mais ou menos por aí? Vou perguntar o que a Ordem pode fazer em relação à família, se a questão é contemplar os dois lados, aceito sugestões. Estou aberto para pensarmos em fórmulas de como acolher a família da vítima. A Ordem tem muito orgulho do trabalho realizado junto às pessoas encarceradas e não acreditamos nessa lógica do bandido não, pois qualquer um está sujeito a tomar uns goles a mais, ser preso e nem por isso perde sua humanidade. A Ordem vai seguir na defesa destas pessoas encarceradas.

CARLOS ARAÚJO
LÚCIO ALBUQUERQUE
MONTEZUMA CRUZ

Apoio: Humberto Oliveira

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