RO, Domingo, 05 de maio de 2024, às 13:54



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Corpos carbonizados de possíveis soldados russos indicam barbárie

Os braços estendidos para trás, pesados. A cabeça a repousar sobre a estrutura de metal, o olhar focado nas nuvens. As pernas entreabertas. De longe, a grotesca figura humanoide parecia estranhamente relaxada, como se tivesse decidido aproveitar os primeiros dias dessa primavera ensolarada no meio de uma estrada tomada por destroços. De perto, era possível ver que se tratava de um homem, provavelmente um soldado russo. A reportagem apurada em Kharkiv e Kutuzvika, na Ucrânia, é de Yan Boechat, em O Globo com fotos da Agênca REUTERS.

No peito nu, a pele carbonizada ganhou um tom escuro, quase negro. Nos pés, as botas estavam intactas. Nos braços, parte do uniforme protegera os pulsos. As mãos seguiam incólumes, guardadas pelas luvas. A cena tão cheia de tragédia e barbárie, por alguma razão, me fez lembrar de uma das maiores obras-primas da humanidade, a Pietá, de Michelângelo.

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O corpo do homem vestido com peças de uniforme comuns aos soldados russos era apenas a apresentação de um espetáculo de horror tão típico das guerras. Ao seu redor, outros nove corpos de homens como ele, todos vestidos com uniformes também comuns aos soldados russos, estavam espalhados de forma nem sempre aleatória. Quatro deles cuidadosamente alinhados para que, do alto, a composição formasse a letra Z.

Os homens, todos aparentemente mortos por tiros, foram colocados nesse formato no estacionamento de um posto de combustíveis na entrada da cidadezinha de Kutuzvika, perto de Kharkiv. A letra Z se transformou em símbolo da ofensiva russa na Ucrânia.
Usada inicialmente para identificar algumas unidades do Exército russo, assim como as letras O e V, a letra Z se popularizou e hoje é usada como peça de propaganda por Moscou.

Os corpos estavam ali havia dias. Exalavam o cheiro acre tão típico da carne putrefata. Alguns vertiam fluido corporal pelos orifícios naturais do corpo humano. Outros pelos ferimentos que lhes custaram a vida.

Um dos homens parecia ter tido a parte superior do corpo dilacerada por algum objeto explosivo. No local onde caiu, era possível distinguir apenas parte do torso, os quadris e as pernas.

Um outro corpo estava jogado em meio à vegetação que hibernou durante todo o inverno e agora cresce rapidamente com a chegada do sol, do calor e da chuva. Tinha buracos em várias partes do corpo. Talvez estivesse correndo, tentando fugir daquele palco de horrores, quando foi atingido pelos estilhaços de uma bomba ou quem sabe por tiros.

No acostamento da pequena estrada que liga Kharkiv ao vilarejo de Kutuzvika, os ossos de uma coluna vertebral quase intacta mostravam que uma pessoa havia morrido ali. A coluna destacava-se do do amontoado de carne, roupas e líquidos.

O ato de vilipendiar cadáveres é prática antiga nas guerras e quase sempre demonstra que as tropas estão agindo guiadas mais pela emoção do que pela razão.

Na Ucrânia, atos bárbaros como este não têm sido comuns. Como não são comuns também em quase nenhuma guerra em seus estágios iniciais. Mas, à medida que a violência aumenta, o desejo de vingança ganha corpo, e a absoluta impossibilidade de entendimentos não violentos assume o protagonismo, com corpos mutilados se tornando mais comuns. Foi assim no Iraque, na Síria ou no Afeganistão.

Pela Convenção de Genebra, vilipendiar um corpo é crime de guerra. Pela legislação brasileira, que por óbvio não versa sobre conflitos armados internacionais, o ato de mutilar um cadáver também é crime.

BATALHAS SANGRENTAS

Na semana passada, forças russas e ucranianas têm combatido batalhas sangrentas pelo controle das aldeias que circundam a segunda maior cidade aqui da Ucrânia e distante apenas 30 quilômetros da fronteira com a Rússia.






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