PORTO VELHO – Entre os milhares de migrantes que chegaram a Rondônia na final da década de 1970 e início dos anos 1980 ainda meninos ou meninas, muitos participaram ativamente do desenvolvimento do estado, com perseverança e obstinação. O capixaba Salatiel Rodrigues de Souza, nascido em Ecoporanga, no Norte do Estado do Espírito Santo, é um desses exemplos. Sua trajetória passa rapidamente pelo vizinho Mato Grosso e chega ao Sul de Rondônia em 1977, quando seu pai, sua mãe e irmãos desembarcaram em Vilhena, atraídos pela promessa do novo Eldorado brasileiro.

Depois de se cadastrar no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para receber um lote de 100 hectares (42 alqueires) a família de Salatiel rumou no sentido do que hoje é a cidade de Colorado do Oeste, a 755 quilômetros de Porto Velho. “Depois, tínhamos de andar 42 quilômetros em trilhas dentro da mata fechada para chegar ao nosso lote, assim como dezenas ou centenas de outros colonos”, ele rememora.

Salatiel conta que o cooperativimo expandiu-se e hoje tem os mais diversos segmentos

Vinte e cinco anos atrás, Salatiel assumiu a pregação das vantagens do sistema cooperativista para fortalecer a economia de um estado em que a tão decantada reforma agrária foi aplicada com êxito pelos projetos de integração e colonização executados pelo Incra.

Aos 55 anos, Salatiel preside atualmente a Organização das Cooperativas do Brasil em Rondônia, liderando uma rede de cooperados nas áreas financeira, de educação, saúde, entre outras, proporcionando quase cinco mil empregos diretos e movimentando cerca de 20% de todas as riquezas de Rondônia.

O estado agora se aproxima da primeira metade de século como estado político e administrativamente independente fazendo jus ao lema “a nova estrela que brilha no azul da União”, lema cunhado pela propaganda política do ex-governador Jorge Teixeira de Oliveira. Tem economia solidificada na produção de alimentos, consolida seu parque industrial e produz energia elétrica limpa.

Multiexperiências de sucesso

No dia 2 de julho, cooperativistas reuniram-se em Ji-Paraná na 9ª edição do Dia de Cooperar, chamado também de Dia C. O evento apoiado por cooperativas rondonienses e de várias instituições parceiras aconteceu na Escola Nova Brasília, no bairro do mesmo nome.

Com o tema “atitudes simples mudam o mundo”, o evento levou atendimento gratuito para emissão de documentos, consultas odontológicas e médicas, assessoria jurídica e cortes de cabelo, entre outros.

Quando se olha pelo retrovisor dessas primeiras quatro décadas, a imagem é a do presente em que Rondônia se transformou. E a trajetória do pioneiro Salatiel Rodrigues é permeada de experiências em áreas tão diversas como trabalho na lavoura, professor leigo, corretor de imóveis, vendedor, servidor público, mas sempre com um olhar voltado ao cooperativismo.

Expressaorondonia conversou com este entusiasta do cooperativismo, agora estimulado a disputar uma vaga à Câmara dos Deputados, onde poderá contribuir mais decisivamente para fortalecimento cooperativo.

Conte um pouco sobre como tudo começou. Quando você chegou a Rondônia? Qual foi o primeiro passo rumo ao cooperativismo?

Salatiel Rodrigues – Chegamos a Rondônia em 1977, passando por Vilhena e depois mudamos para Colorado do Oeste. Lá conquistamos o Eldorado, como era falado, o sonho da terra, pegamos com o Incra 42 alqueires de terra na linha 9 km 8 e meio, na ‘primeiro eixo’, sítio Boa Esperança. Trabalhamos na roça, mas para chegar até essa terra eram 42 km de picada, com cacaio (um saco, uma bolsa ou uma sacola amarada às costas contendo roupas, mantimentos e utensílios) nas costas. Ainda criança, família de sete irmãos, minha mãe foi contratada no governo do ex-território de Rondônia, no ano de 1979, hoje é professora aposentada, e meu pai agricultor. Também tivemos a oportunidade de desbravar a terra, plantar café à época. Havia um incentivo federal conhecido por “plante que o João garante” (referência ao presidente da república João Baptista de Oliveira, o último presidente militar). A visita desse presidente foi meu primeiro contato político. Fomos a Vilhena receber Figueiredo, juntamente com o primeiro prefeito da cidade, Vitório Abraão.

O morro do Colorado em 1977

A família deixou marcas…

Trabalhamos na roça e da lavoura, entendemos milho, de arroz, de plantar, de preparar terra, de colher de armazenar. Naquela época em que você fazia tudo, até comercializava. Rondônia teve uma fase de grandes cerealistas.

Tive a oportunidade de ser contratado no governo do Teixeirão,  ainda no território federal de Rondônia, com apenas 16, 17 anos de idade para lecionar na zona rural, porém devido a busca de estudos, tivemos de deixar o serviço público e ir para o comércio e estudar. Minha mãe, minha irmã também são professoras do quadro federal, aposentadas, E, meu pai, um agricultor também aposentado. Assim, crescemos em Colorado do Oeste, que considero nossa terra natal, pois nunca devemos esquecer nossas origens, de onde saímos e aonde chegamos. Sou capixaba de nascimento, mas rondoniense de coração.

Como é que foi essa saída da grande Ecoporanga, no Espírito Santo, que foi um pouco antes? Por que vocês fizeram uma parada em Mato Grosso?

Chegamos a Jauru, no Mato Grosso, em 1973, e ali moramos até 1977, daí viemos para Colorado do Oeste.

Em que ano você se desligou do serviço público e resolveu correr trecho?

Foi entre 1984 e 1985, quando viemos para Porto Velho e éramos quatro pessoas querendo conhecer o Estado de Rondônia. Em vez de sair para outros lugares do nosso Brasil, percorremos Rondônia, e hoje isso me deu uma bagagem, conhecimento sobre o estado e por isso conheço todos os municípios e distritos.

Salatiel foi ver Figueiredo em Vilhena

E aí, você saiu de Colorado e foi para onde exatamente?

Para Porto Velho. Fomos trabalhar na Usina de Samuel (no Rio Jamari) de 1985 até 1987. Em seguida, retornamos para Colorado, entre 1987 e 88, e ali montamos uma loja chamada Rio Modas Confecções. Como já conhecia Rondônia, eu quis conhecer São Paulo. Conheci as ruas José Paulino, 25 de Março, na Santa Efigênia, e naquele tempo parecia que já trabalhava com inovação. Não sei se vai constar na matéria, mas era assim. Pegava uma mala, colocava cinco calças, cinco camisas, aí deixava na sua casa no final de semana. Então, na segunda-feira buscava e aquilo que você viu, você ficava, porque queria uma roupa para o fim de semana, era uma venda garantida. Muitos que foram meus clientes dessa época vão identificar isso que estou falando. Muitos queriam ficar até com a mala. Sempre tive a percepção de fazer um atendimento personalizado. Colocava roupas para a esposa, para os filhos, e era uma mala cheia.

Você ficou rico com essa inovação?

Graças a Deus, desde os meus oito anos de idade para cá, meu pai não dava nem uma cueca e hoje graças a Deus, tenho orgulho de ajudá-lo. Sempre falo que cuido do meu pai e da minha mãe, porque eles cuidaram de mim. Procuro sempre estar com eles.

Ocupou algum cargo público em Colorado?

Som, fui diretor do departamento de Agricultura, isso em 1988. Começou com Ângelo Angelin, uma administração séria. Depois veio o Jerônimo Santana, Entre 88 a 89 decidi percorrer o Brasil. Fui para Boa Vista, Roraima, na busca do sonho porque falava muito em garimpo, não que fosse garimpeiro, mas fui pesquisador também de minério e fomos para trabalhar com confecções. Vendi a loja em Colorado para um primo.  Fomos para Roraima e lá ficamos de 88 a 90. Quando o (presidente) Collor tomou posse começou a destruir as pistas dos garimpos, e aí a cidade vivia em torno do ouro, porque a moeda era o ouro. Trabalhávamos com cama, mesa e banho e mais uma vez retornamos para Colorado, pois o bom filho sempre retorna para casa.

E voltou mesmo?

Em 1989, entrei em sociedade com meu ex-sogro. Quando desfiz a sociedade fui para Vilhena, isso entre 1990 e 91. Ali eu comecei a trabalhar com compra e venda de veículos, depois montamos uma garagem chamada BMW veículos juntamente com Marcos Godinho de Souza, o popular Marquinhos Bacana. Também trabalhei com imobiliária, comprar e vender casas, corretagem, mas não era legalizado ainda. Então, começamos a nos interessar pela política porque queríamos mudanças e desde aquela época que começamos trabalhava para ver mudanças.

Chegou a ser vereador também?

Em 1996 fui convidado pelo ex-prefeito Melki Donadon, que renunciou ao mandato em Colorado para concorrer em Vilhena. Fui o terceiro vereador mais votado.  Em 98 disputei uma vaga na Assembleia Legislativa pelo PSC. Assessorei o Ivo Cassol, de 2003 a 2005, ele se elegeu em 2002. Assumi a organização das cooperativas, que tinham apenas 12 cooperativas registradas e 2.680 associados e hoje são mais de 100 cooperativas na OCB e tem mais de 200 mil associados nos 52 municípios rondonienses e praticamente todos os distritos.

Quando Salatiel vendia roupas de São Paulo, este era o cenário em Colorado

O ramo mais forte do cooperativismo é o financeiro, o crédito, mas existem outras questões que o cooperativismo não entra, por quê?

Cooperativa é relação de confiança. As cooperativas nascem da necessidade das pessoas. Porém, para você relembrar, a OCB tem 37 anos, e Rondônia emancipou a situação política há 42 anos. Para ter uma base no Paraná, tenho um amigo chamado José Gracino, da Coamo e Igo Groz, da Copavel. Esses dois têm dez mandatos de quatro anos na cooperativa. Então, a cooperativa Sicredi, que tem 117 anos, uma das pioneiras no Rio Grande do Sul, funciona até hoje, é a mais antiga no Brasil em funcionamento no Paraná. Em Rondônia o cooperativismo conta com sete ramos, crédito, agropecuária, educacional, saúde, transporte, mineral e consumo. O financeiro é o repasse do recurso, tem o tomador, o investidor. Uma observação que faço sempre é uma comparação, por exemplo, o agropecuário, você tem que preparar a terra, corrigir o solo, plantar colher, armazenar e comercializar. Você vê que tem várias etapas. O cooperativismo dá oportunidades para todas as pessoas, porque é um modelo ideal de organização que a sociedade de pessoas. Você observa a movimentação econômica quando faz na sua localidade como gira a economia.

Os valores cooperativistas pesam muito…

Sim. O nosso diferencial está na questão social, onde tem cooperativismo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é enorme. O trabalho em união traz muitas vantagens. Por isso buscamos que as pessoas entendam melhor o cooperativismo.  As nossas cooperativas de crédito suprem a necessidade e contemplam os municípios de Rondônia e vieram substituir o Beron, com a diferença que o banco era público e as cooperativas são privadas e os próprios sócios são os donos da instituição financeira. Temos os princípios, a visão e os valores do cooperativismo, que é trabalhar pensando na sociedade. O maior capital das nossas cooperativas é o ser humano, então buscamos neste estado a melhor forma para viver, e é através do cooperativismo que isso acontece.

Quanto o cooperativismo do ramo financeiro movimenta hoje na economia de Rondônia?

Vamos falar de todas as cooperativas que englobam os sete ramos em funcionamento e produzindo produtos e serviços. As nossas cooperativas movimentam mais de 20% da economia do estado. Temos cooperativas que exportam produtos e da movimentação financeira, que é o PIB. São riquezas produzidas e a soma dessas riquezas passando de mão em mão, o capital financeiro imobiliário, produtos serviços e isso nós estamos falando sete ramos, agora se não fossem as nossas cooperativas de crédito tinha saído daqui mais de meio bilhão de reais, porque os bancos tradicionais não deixam um centavo tanto no social quanto nos seus lucros, porque eles investem lá para fora. Você tem uma base, me aponta uma agência que é própria de qualquer banco tradicional aqui em Rondônia? Veja só quando eu falo do tradicional quero falar do privado, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal são bancos públicos. Algum tempo atrás fazíamos compensação pelo Banco do Brasil e no Banco da Amazônia, o Basa. Por que estou defendendo o banco público assim? É que no Basa as cooperativas de crédito estão tendo acesso agora a 10% do FNO (Fundo Constitucional do Norte), que vai repassar para as cooperativas de crédito administrar. A cooperativa faz a administração. São 9 bilhões de reais que vêm para região norte, porque o FNO é um recurso advindo do IPI (Imposto Sobre Proutos Industriais) e do imposto de renda, é do cidadão.

O que, efetivamente, Rondônia ganhará com isso?

Vou deixar bem claro, sou a favor da democratização do crédito, da cooperativa ter acesso a quaisquer fundos constitucionais. Por exemplo, o Banco da Amazônia que ainda detém o FNO e o UFC* é o Banco do Brasil. E como nós articulamos bem em Brasília, tenho conhecimento, vamos falar isso mais adiante, mas estimulamos para criar o projeto de lei que foi o repasse dos 10% para nossas cooperativas de crédito. Esses 10% representam quase um bilhão de reais que ficarão nas mãos das cooperativas na Região Norte, porém Rondônia, acredito, ficará com a fatia desses recursos em torno de 600 ou 700 milhões de reais, destinados para agricultura e ainda não entramos na liberação de investimentos urbanos, na indústria, agricultura familiar média terá acesso. Sempre falo que as cooperativas de crédito e o Banco da Amazônia movimentando a economia local.

Quantos empregos as cooperativas proporcionam em Rondônia?

Já chega a mais de cinco mil empregos diretos em todo o estado, porém essas cooperativas também existem em Rio Branco, Amazonas, Roraima, Mato Grosso, Paraná. Carlinhos, você falou do crédito e outros como educação, saúde, mas outras cooperativas que se destacam em Rondônia.  Então as nossas cooperativas estão sendo destaque, por exemplo, no transporte: CTR, que tem mais de mil caminhões, ela é de Rondônia. Temos cooperativas de mototáxi, tudo é transporte de cargas e passageiro, Temos cooperativa mineral, cooperativa que faz um brilhante trabalho na questão do meio ambiente. Temos cooperativas de costureiras, de agropecuária que nós lançamos o projeto. Quero dar ênfase às nossas cooperativas que ajudaram a salvar vidas durante a pandemia (covid-19), com a doação de respiradores, de máscaras cirúrgicas e até cursos para médicos para a intubação. Fizemos live para arrecadar alimentos, você acompanhou, deu apoio, e temos muito que agradecer todos os meios de comunicação. Quero enfatizar isso. Desde 1977, sempre os meios de comunicação abriram as portas para nós.

Para encerar, quando você olha pelo retrovisor, o que você vê?

Só olho no para-brisa. Só para frente. Sei que não devemos esquecer nossas origens, mas, tenho a convicção que nós estávamos certos em vir para Rondônia para tornar realidade o sonho da terra própria, o sonho de produzir, o sonho de dar uma vida digna para a família. Sou grato a Deus em primeiro lugar, grato a todos os conveniados, grato às pessoas pela amizade, grato pela evolução dos negócios.

* Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão da Universidade Federal do Ceará (UFC)

CARLOS ARAÚJO
Com fotos de Marcos Santilli, Montezuma Cruz e Kim Pires Leal

Decupagem e texto inicial da entrevista: Humberto Oliveira

Deixe uma resposta