RO, Sexta-feira, 19 de abril de 2024, às 12:01



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Entrevista da semana: Como um pai que morre jovem, Iperon pode deixar milhares de aposentados no relento, se não receber tríplice injeção de recursos

PORTO VELHO – O servidor público que, durante trinta anos ou mais de sua vida, tiver trabalhado em um órgão público em Rondônia e tenha se aposentado pensando em levar uma vida tranquila vive em sobressalto, com a possibilidade de não receber sua aposentadoria no final do mês a partir do ano que vêm. É que, como um moço jovem que se casa, tem muitos filhos, faz planos para o faturo, mas, de repente, morre e deixa os filhos desamparados, o Instituto de Previdência do Estado corre o sério risco de não ter dinheiro para pagar aposentadoria a partir do ano que vem.

Criado pela Lei nº 20 de 1984, três anos após a emancipação político-administrativa do então território federal de Rondônia, o Instituto de Previdência do Estado só ganhou vida e visibilidade a partir de 23 de outubro de 1986, quando passou a ter a denominação de Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Públicos do Estado de Rondônia. 

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Logo na primeira gestão foi nomeado um advogado goiano chamado Lipsio Vieira de Jesus, nomeado pelo então governador Jerônimo Santana, pipocou o primeiro escândalo de desvio de recursos. O Tribunal de Contas atuou e os familiares do primeiro presidente teve de devolver recursos ao instituto.

Mas, ao longo dessas quase quatro décadas, surgiram outras denúncias de desvios de recursos e alguns órgão recolhia a contribuição do servidor, mas não as repassava ao Iperon.

O resultado de todo esse caldo é um instituto à beira da insolvência, anunciando que, se não forem adotadas medidas concretas e imediatas, o sonho da aposentadoria vira pesadelo para milhares de servidores aposentados.

Muito provavelmente isso não virá acontecer, porque o Iperon não é o responsável só pela pagamento da grande massa de servidores. Também paga aposentadoria de altos funcionários, entre eles, juízes, desembargadores, promotores e até mesmo os conselheiros do Tribunal de Contas.

Não fosse isso…

“Se a reforma da previdência estadual não for feita adequadamente, como mandou o Tribunal de Contas, como eu julguei esse processo – e você vê aí que eles concederam benefícios e deram direitos onde não há recursos nem suporte técnico e jurídico – o Iperon sofrerá mais a frente um outro baque. E é real o risco de não ter recursos para pagar as aposentadorias”, desabafa o conselheiro do Tribunal de Contas, Edilson Silva, relator de um processo naquela corte que visa salvar o Iperon desse anunciado precipício.

Por unanimidade, o Tribunal de Contas de Rondônia proferiu o acórdão ao processo que trata do acompanhamento do déficit financeiro e atuarial do regime próprio de previdência dos servidores públicos de Rondônia, administrado pelo Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Rondônia (Iperon). 

No acórdão (APL-TC 00211/21), o colegiado do TCE alertou todos os chefes dos poderes e órgãos autônomos de Rondônia quanto às graves consequências decorrentes da insolvência do fundo previdenciário financeiro do Iperon, que serão percebidas a partir do próximo ano.

O relator da matéria de interesse do Iperon no Tribunal de Contas é o conselheiro Edilson Silva. A pedido deste expressaorondonia.com.br ele explicou a situação e não negou a responsabilidade que a Assembleia Legislativa tem com a questão.

Veja as explicações:

EXPRESSAORONDONIA – Como se explica essa dívida de R$ 15 bilhões atribuída ao Iperon ter chegado a esse nível? 

CONSELHEIRO EDÍLSON – Sim. No meu voto você vai ver que até o governo Bianco, os servidores, independentemente de qual cargo ou função ou poder ou órgão a que ele pertencesse, sua contribuição incidia sobre o vencimento básico, que era simbólico. Por exemplo, um servidor que ganhava R$ 30 mil contribuía com 8% sobre o valor de R$ 780,00, o que dá algo em torno de menos de R$ 100,00 de contribuição. E, se ele sofresse um acidente qualquer, ou se falecesse, a família receberia os R$30mil, hipoteticamente falando.

E mais. Naquela época, além de não contribuir com o total de rendimento e apenas com o vencimento básico, ele ainda ia para a inatividade com 20% de acréscimo sobre a sua remuneração. Eu dei um exemplo hipotético de desembargador, mas funcionaria com todo e qualquer servidor. Então veja, a contribuição dele era ínfima, e ele recebia um valor total da remuneração.

Contribuía sobre o vencimento básico e recebia o valor total da remuneração acrescido de 20%. A conta não fecha. Como eu posso contribuir com menos de R$100,00 e me aposentar ganhando R$ 30 mil, mais 20%. Você vê quanto que dá 20% de R$30 mil, dá R$ 6 mil, ou seja, ele receberia R$36 mil. Isso gera um déficit atuarial, que é a falta de recursos futuros para fazer frente a uma obrigação futura.

Mas essa pessoa que até o ano 2000 contribuiu com 8% sobre o seu vencimento básico, a expectativa de vida dele, ano a ano, foi crescendo. Então a pessoa que, antigamente nos anos de 1970 ou 80, tinha uma expectativa de 40, 45, 50 anos, hoje está vivendo quase 100 anos. Detalhe: ele morre e ainda deixa uma viúva para receber pensão. A expectativa de vida das mulheres é sempre maior do que a dos homens que, em média, morrem antes delas, isso é dado científico. E quando ainda deixam um filho, suponhamos, excepcional, continua recebendo até morrer. Então tudo isso vai gerando déficit atuarial.

O déficit atuarial é a ausência de recursos futuros para fazer frente às despesas futuras. Além disso, houve desvio no Iperon?

Houve. Na época do presidente Lípsio (Lípsio Vieira de Jesus, falecido) o Tribunal de Contas autuou, o Ministério Público autuou, bloqueou os bens dessas pessoas, isso foi revertido para o Iperon. A mesma coisa você pode verificar também é que, como a reforma da previdência vem ocorrendo ano a ano, com a emenda 20, a 43 e aí vai, é que antigamente só se contava para aposentadoria a idade, não se falava em contribuição. Depois, idade e contribuição. E, com o tempo, idade, contribuição, qualidade e integralidade de vencimentos, que é a pessoa receber a última remuneração, com a qual ela se aposentou, e mais: a cada vez que o ativo tivesse um aumento ele também receberia um aumento.
Isso, da época do Fernando Henrique para cá, foi caindo, foi reduzindo para evitar esse rombo na previdência, não só do Iperon, mas na previdência brasileira como um todo. No direito brasileiro, são assegurados direitos aos inativos, que não têm em país nenhum.

Há casos de órgão que reteve o valor previdenciário e o mensal do servidor e não repassou? Quais são os órgãos?

Vários. O próprio poder Executivo atrasou; a Assembleia e tantos outros. O Tribunal de Contas foi lá, autuou, o próprio Iperon cobrou isso na Justiça. Os recursos foram repassados. Esses valores de cabeça eu não tenho, mas eu posso garantir que isso foi rediscutido. Muito se discutiu sobre a prescrição e os sindicatos noticiaram, alardearam, mentirosamente, dizendo que prescreveram R$ 2,5 bilhões de recursos não repassados pelo poder Executivo. Isso é verdade.

O Tribunal de Contas autuou, inclusive eu fui o relator disso, há anos e determinou que o Poder Executivo inserisse isso nos cálculos atuariais, para impacto de índice dele e que recolhesse isso ao Iperon ao longo dos anos.

E isso foi feito?

Foi. Então, este recurso ao longo dos anos, além da contribuição ordinária que o poder Executivo está fazendo, ele está repassando um quanto maior correspondente a esse valor dos R$ 2,5 bilhões que teriam sido prescritos. Na época, o Iperon não poderia cobrar, porque o governador da época podia exonerar. Hoje não ocorre mais, porque o presidente é indicado pelos chefes de poderes e órgãos, em listas tríplices e o governador nomeia, e só quem pode destituí-lo do cargo são os poderes e órgãos, isso foi uma inovação inserida pelo Tribunal de Contas. Na época, o governador Confúcio Moura acolheu e adotou, através de uma lei própria. Então isso é uma realidade.
A presidente do Iperon, doutora Regiane, tem movido ações contra o Executivo, contra os poderes, ações na justiça cobrando o dever de ter cuidado, de contribuição adequada. Você vai ver que nas contas de 2016, eu também fui o relator, e reprovei as contas do governador Confúcio, porque deixou de passar R$ 3 milhões ao Iperon, e ele compensou, ou seja, uma lei absurda que foi aprovada no Estado de Rondônia, a Assembleia aprovou atendendo a solicitações de entidades, sindicatos. São os que reclamam primeiro. Aquele servidor, ao pedir a aposentadoria, espera na inatividade, fica em casa, sem trabalhar, recebendo até que o ato dele seja registrado. Isso demandou 3, 4, 5 meses, gerando um rombo nas finanças públicas. Na época do Confúcio eu fui lá e ele disse: olha, eu fiquei com tantos servidores aqui, esperando o Iperon registrar o ato. Nisso, ele mandou R$ 3 milhões dessas pessoas aqui. Ele mesmo reteve e se compensou. Isso não é permitido e tem que haver uma apuração desses valores, tenho que me certificar aquele valor que o Iperon reconhece a dívida, restitui o valor ao órgão ou poder, que assim tenha feito. Por ele ter feito o caminho inverso, ele foi condenado e teve suas contas rejeitadas. Então, mais uma vez o Tribunal de Contas atuando, punindo, o governador do estado, os secretários de finanças e planejamento, que assim agiram.

BANCO SANTOS

E o envolvimento do Iperon com o Banco Santos?

É verdade. O Odacir investiu, através do Basa, que aplicou o dinheiro no Banco Santos. Foram R$ 11 milhões e pouco, dinheiro do fundo previdenciário para pagar aposentadorias. O banco quebrou, o Tribunal de Contas tomou conhecimento desse fato através de uma auditoria. Nós detectamos isso e determinamos que o dinheiro fosse devolvido. O Banco Santos estava quebrado, e nós identificamos que esse dinheiro foi passado para o Basa. E aí exigimos que o Basa devolvesse o dinheiro já que ele era o garantidor. Se o Basa pegou o dinheiro e aplicou num fundo com maior, ou suporta rentabilidade no Banco Santos e o banco quebrou, a culpa é do Basa, e não do Iperon. Então isso se arrastou por alguns anos, mas o Basa devolveu esse recurso atualizado ao Iperon. Esse dinheiro foi reaplicado no mercado financeiro. Agora, através do Banco do Brasil. E diante desses fatos não foi só o Iperon em Rondônia: outros institutos de previdência também sofreram com esse tipo de aplicação, em que você aplicava em um banco e esse banco ia atrás de outro fundo com maior rentabilidade e acontecia essa situação.

Então o Banco Central regulamentou essa matéria, e agora toda e qualquer aplicação que é feita para a previdência social e seus recursos é feita através de uma cesta de aplicação que garante maior rentabilidade, maior segurança com transparência nessas aplicações. Então não precisou ir atrás dos bens do finado Odacir Soares, mas ele próprio, em razão da pouca cautela que teve foi multado na época, eu acho que próximo de R$ 50 mil ou R$ 100 mil. Ele foi multado, e para atender essa multa teve que dar seu patrimônio para garantí-la.

Nas condições atuais, há riscos de os inativos ficarem sem receber?

Se a reforma da previdência não for feita adequadamente, como mandou o Tribunal de Contas, como eu julguei esse processo, que é o que você vê aí, eles concederam benefícios que não têm suporte técnico e jurídico, e assim o Iperon sofrerá mais na frente um outro baque, ou seja, estão dando já em razão de um déficit, direitos onde não há recursos para fazer frente. Isso nós estamos vendo aí

APOSENTADOS

Então, essa reforma já foi finalizada?

Não. Foi aprovada apenas a emenda, agora tem um projeto de Lei para regulamentação da Assembleia; esse projeto de lei passa de 60 artigos, então isso precisa ser analisado com cautela, para que não haja nenhum prejuízo. Se isso não for feito, no ano que vem, nós não teremos recursos para pagar os aposentados. Isso é um ponto decisivo.
A engenharia, conforme está ai informado, explicitado nessa decisão do Tribunal, você vai ver que os poderes estão desviando recursos do excesso de arrecadação para cobrir as despesas previdenciárias, fazer o aporte ao Iperon, para manter em dia a folha de pagamento. Se isso for feito  – e o relator sou eu – vou acompanhar isso com lupa, não haveria risco. A reforma feita, os recursos sendo repassados, que estão em lei, esses projetos de lei que lá estão obrigam os poderes a fazer isso. Não é o poder querer passar, ele já vai ser descontado do recurso que vai ser passado a eles.

Isso aí os obriga a fazer frente a esse déficit, ou seja, o servidor público em si não está sofrendo nenhum custo financeiro, o máximo que ele vai fazer é, faltando um ou dois anos para ele se aposentar, vai trabalhar mais um ano, ou mais dois anos; é apenas esse custo, nada mais do que isso. O que estão falando aí é balela, é só barulho, porque entra o critério político, essas coisas que os presidentes de sindicatos alguns querem se eleger deputados ou querem se reeleger na presidência desses sindicatos.

Reportagem: Lúcio Albuquerque

Texto final e edição: Carlos Araújo

Fotos: Arquivo\internet Google
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