PORTO VELHO – Exemplo mundial de programa de reforma agrária que deu certo, com seu território dividido entre mais de 100 mil pequenas propriedades familiares – sem prejuízo das médias e grandes propriedades -, Rondônia vive no momento a caracterização da ‘marcha inversa dessa reforma’. “O Incra tem nos seus quadros técnicos valorosos e competentes, mas eles são portadores de uma doença: o apagão da caneta”, afirma o senador Confúcio Moura (MDB-RO) em entrevista a este expressaorondonia.
Ele explica melhor do que se trata: “ninguém mais quer assinar nada em termos de avaliação de terras, porque teme processos. A maioria dos bons técnicos está processada e alguns foram até demitidos e mais tarde readmitidos por determinação da Justiça”.
O senador elogia o gesto do governo estadual em oferecer funcionários técnicos para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra): “isso é muito bem-visto, porque o órgão está decadente e sem dinheiro para indenizações, e me parece muito importante esse compartilhamento”, disse.
“Não se faz reforma agrária sem dinheiro; se Rondônia conseguir regularizar áreas diversas dentro de assentamentos, atenderá a famílias que esperam há mais de 20 ou 25 anos, sem ter até agora documento definitivo”, disse Confúcio.
Segundo o senador, a cessão de técnicos estaduais ao instituto foi ao encontro da necessidade de posse da terra de maneira irregular, um dos mais graves problemas amazônicos. No entanto, ele lamentou: “Enquanto acontecem litígios gravíssimos e assassinatos, ficamos nós votando leis”.
Conforme ele informou, no Senado tramitam dois projetos de regularização, mas não há dinheiro para desapropriar, nem para deslocar servidores até os lotes ou para a contratação georreferenciamento.
“O órgão fundiário oficial ainda é o Incra, e hoje, se você campear o estado encontrará muitas famílias precariamente assentadas, sem possuir o documento de posse, o que se caracteriza uma irresponsabilidade do governo federal.
CONCENTRAÇÃO DE TERRAS
Rondônia tem diversas modalidades de regularização a fazer, desde o posseiro; do ocupante de área de conservação, que não possui documento algum; e aqueles que ocuparam áreas particulares documentadas, mesmo a União não tendo pago indenizações aos proprietários, as chamadas CATPs (Contratos de Alienação de Terras Públicas).
Existem, ainda, áreas com cláusulas resolutivas, lotes maiores licitados, cujo projeto original previa o plantio de cacau, mas no lugar dele os beneficiados formaram pastagens.
Segundo o senador, “o próprio Incra vem instigando a ocupação dessas áreas por movimentos sociais, posseiros e grileiros”. “É no momento o drama de Rondônia, de uma parte de Mato Grosso, do Amazonas e do Pará a exigir do governo federal uma atitude firme”.
“As pessoas cansam de trabalhar duro sem ver resultados de crédito e de outras ajudas, e terminam vendendo a propriedade, o que origina uma linha imensa nas mãos de um ou dois fazendeiros”, explicou.
Há também o outro lado a moeda. “No município de Alto Alegre dos Parecis (a 536 quilômetros da Capital, por estradas) o falecido ex-deputado federal Antonio Morimoto tinha uma fazenda regularizada que fora invadida há mais de 30 anos”, contou Confúcio.
Morimoto ingressara na Justiça, sem ser indenizado, e os ocupantes, conforme lembrou o senador, tiveram filhos e netos. “Envelheceram dentro da cidade, nem um, nem outro saiu ganhando, e a própria reintegração prejudicaria famílias; ou seja, temos donos e ocupantes morrendo, sem que ocorra a legítima indenização e o pagamento pela posse das áreas”, lamentou.
“NOSSO PIB DOBRARIA”
A saída para a legalização das terras poderia ser a contratação de empréstimos bancários, sugeriu Confúcio. “Imaginemos que toda a documentação de posses irregulares, devidamente legalizada, dobraria o PIB (Produto Interno Bruto), de R$ 44,9 bilhões, num prazo de cinco a dez anos”.
No início de agosto deste ano, a Superintendência Regional do Incra, em Porto Velho, começou a entregar títulos remanescentes de regularização fundiária do Programa Terra Legal. Ao todo, são 40 títulos .
Já a Superintendência Estadual de Patrimônio e Regularização Fundiária (Sepat) pretende regularizar 13 mil imóveis rurais até o final de 2022, em 28 municípios. A Sepat capacita servidores municipais e cadastra produtores rurais.
Confúcio chegou ao extinto Território Federal de Rondônia em 1975, acompanhando a instalação do projeto de colonização Marechal Dutra, e de assentamento dirigido Burareiro, ambos atacados pela malária e pela “vassoura de bruxa” (Crinipellis perniciosa) do cacaueiro no interior de Ariquemes.
Na condição de médico, atendia pacientes deitados em redes, com o soro pendurado em galhos de árvore.
Ao deixar o governo, em 5 de abril de 2018, o governador começava a se deparar com o agravamento da falta de recursos para reforma agrária.
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