Amadeu Machado

PORTO VELHO – Entram e saem governos, em todas as esferas da República e uma promessa, quando em campanha, é recorrente e nunca cumprida. Falo da tão decantada regularização fundiária necessária em todo o País, especialmente em nosso Estado de Rondônia. Quando cheguei a esta terra linda e dadivosa, há exatos 50 anos, vim na condição de advogado contratado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

O Território Federal de Rondônia tinha população estimada de cem mil pessoas. Atividade econômica eram os seringais e castanhais em franca extinção e um enorme rebuliço com o garimpo de cassiterita, girando a economia no contracheque de servidores públicos.

Aceitando o convite do governo federal, milhares de pessoas largaram o tudo que tinham, embora esse tudo fosse quase nada, e vieram para o novo Eldorado, incentivados pelo velho bordão patriótico de “integrar para não entregar”.

Colonos em Ji-Paraná, no ano de 1978, tempos do Projeto Riachuelo, do INCRA

Ao INCRA coube a missão de recepcionar e organizar esse fluxo migratório, de maneira a responder com agilidade e eficiência às demandas sociais que estavam sendo geradas.

A missão era árdua, pois que se intensificava a chegada de brasileiros de todos os recantos do País. Eles vinham em busca de um sonho – terra para trabalhar, um local para morar e chamar de seu, em resgate da dignidade e obtenção da cidadania, para si e suas famílias.

Terras de Rondônia pertenceram a Mato Grosso e ao Amazonas

Estávamos no ano de 1973 e eu entrei na equipe que já estava operando desde 1969. Precisávamos buscar a gênese das terras de Rondônia como ponto de partida.

Importante saber que a área física do Território Federal de Rondônia origina-se de desmembramentos (eu chamo de confisco) de terras dos estados do Amazonas e Mato Grosso, fato ocorrido em 13 de setembro de 1943.

Colhidas informações geográficas, apurou-se que a área física do Território era de 23.757.600,000 hectares.

Adiante foram obtidos nos Institutos de Terras dos Estados do Amazonas e Mato Grosso, dados de imóveis que haviam sido titulados, quando as terras de Rondônia ainda pertenciam àquelas outras unidades federadas.

Foi uma profusão de documentos que precisavam ser confrontados e conferidos com os registros imobiliários.

O INCRA destacou equipes que se dedicaram a colher dados registrais em inúmeras comarcas, tanto do Amazonas como do Mato Grosso, assim como no cartório único de Porto Velho.

Todas as transcrições foram gravadas em microfilme e a mim foi fornecida uma máquina revolucionária, que era uma leitora desses documentos. Aparato tecnológico de ponta.

Uma vez identificados os títulos definitivos, alguns provisórios e contratos de aforamento que o Governo do Território celebrara com ocupantes de terras, concluiu-se que daqueles 23 milhões de hectares estavam comprometidos cerca de 1.200.000,0000 hectares.

Demais áreas eram terras devolutas, sendo uma expressiva área localizada em faixa de fronteira.

Foram deflagradas ações discriminatórias administrativamente, na forma preconizada pelo Decreto-Lei 9760/1946.

Edital de convocação a todos os ocupantes de terras, para que comparecessem na Autarquia, apresentassem seus documentos e formulassem os pedidos decorrentes do tipo e forma de ocupação.

Ao mesmo tempo era necessário promover a arrecadação das terras devolutas para, após procedimento topográfico de demarcação, serem identificadas em glebas e, fechadas as respectivas poligonais, com memorial descritivo, levadas ao registro de imóveis, ocasião em que deixavam de ser devolutas passando à condição de terras públicas da União.

Trabalho heroico foi realizado pelas equipes de topografia, que na ausência de estradas precisavam adentrar à mata bruta, usando os instrumentos disponíveis na época machado e facão, ou terçado. Motosserra foi um luxo que veio mais tarde.

Meio de transporte eram as próprias pernas, tendo como único apoio uma precária BR-364, em cujo percurso eram utilizados Jeep Willys e caminhonetes F-75. Um pouco mais para a frente veio o Toyota Bandeirantes.

Enfrentaram todo o tipo de intempéries. Floresta amazônica intacta na qual precisavam abrir picadas, carregando todo o equipamento nas costas, que não eram de fácil manuseio. Teodolitos, alimentação, barracas, material para cozinha.

Atoleiro na BR-364 e ataque de mosquitos anofelinos marcaram a vida dos migrantes entre 1975 e 1985

O ataque voraz de insetos (carapanãs e piuns), correria de porcos do mato, cobras, onças maltratavam por demais aqueles trabalhadores.

Tudo arrematado pela permanente ocorrência de malária, que, se não tratada a tempo, leva o doente a óbito. Muitos morreram e os sobreviventes sofrem sequelas.

Assim foram demarcadas as glebas, das quais, em exame posterior, se fosse o caso, eram excluídas áreas cujos títulos haviam sido reconhecidos, havendo soberbo grau de dificuldade para a plotagem (localizar, por meio de coordenadas, em mapa, desenho em escala etc.) dos títulos definitivos, posto que eles haviam sido demarcados no princípio do século XX, sendo as referências topográficas constantes do memorial descritivo algum acidente geográfico, rios e igarapés. [continua].

AMADEU GUILHERME MATZEMBACHER MACHADO
OAB/RO 4-B
Fotos: Kim Pires Leal e Mapa Brazil Ilustration

*O assunto terá sequencia amanhã, com a parte 2

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