RO, Segunda-feira, 23 de junho de 2025, às 6:10







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Vini Jr. chutou o traseiro dos valencianos – Por William Haverly Martins

O protesto de Vini Jr. calou fundo no âmago da raça humana, mas, e principalmente, na consciência dos racistas europeus e brasileiros

William Haverly Martins*

PORTO VELHO – Em todos os sites de notícias e nos jornais mais importantes do mundo, o assunto da semana foi o protesto, o chute no traseiro dos valencianos, dado pelo jogador brasileiro, Vinicius Junior, diante das câmeras que divulgavam ao vivo o jogo entre Real Madrid e Valência. Inconformado com o ataque racista dos torcedores, que o chamavam de macaco, Vinicius não se calou e partiu pra cima, apontando os provocadores. Desde que pisou os gramados da Espanha, Vini vem sofrendo com o racismo, sem nenhuma providência das autoridades daquele país. O esporte, notadamente o futebol, que convive, razoavelmente, com a cor da pele de muita gente, com Vini Jr, vem funcionando ao contrário, exacerbando o racismo pela via do sucesso no futebol, uma espécie de inveja daqueles que não conseguem se destacar no esporte e veem o seu time do coração ser massacrado pela destreza de um negro.

São inúmeros os negros africanos e brasileiros que jogam e fazem sucesso nos campos da Europa. Quase todos sofrem preconceitos, mas com Vini parece que a paixão futebolística ultrapassa a cor da pele e se confunde com o sucesso do Real Madrid, como se ele fosse um negro recém libertado, que deixou um navio negreiro português/espanhol e foi direto para as manchetes de melhor jogador do mundo: − logo ele, tão preto, não merece a camisa branca do Real Madrid, não merece nos humilhar com seus gols e assistências fabulosas. Vini, que é humano, provoca os valencianos, realçando dois dedos da mão direita, como se dissesse vocês não escapam da 2ª divisão, pois o Valência está prestes a cair. Diante do sofrimento do Vini Jr, vale a pena comentar o racismo, dentro das nossas fronteiras.

Nós somos vítimas do racismo estrutural bem mais difícil de apagar da superfície da pele, do que o racismo aparente. De certa forma, o enriquecimento ou o sucesso dos negros são responsáveis pelo embranquecimento da pele, ocasionando um fenômeno comportamental só visto no Brasil: Nos EUA, na África do Sul e demais países africanos, são evidenciadas duas cores: preto e branco. Aqui, além dessas, existe o pardo, o moreno, o mulato, o caboclo e o ignorante, dando origem a um racismo velado. Os pardos, Obama e Harris, chegaram à instância máxima do poder americano se autoconhecendo negros, o mesmo pode-se dizer de Mandela na África do Sul.   

O processo voluntário de embranquecimento, assumido a partir do cruzamento entre pessoas de cores diferentes, fez com que o negro se visse parcialmente branco:  sou pardo, sou um moreno de traços finos, como se o ser bonito estivesse relacionado a não ter traços negros, mas sim àqueles próximos ao que era pautado pelo padrão de beleza europeu. O amor entre seres humanos não tem cor, nem fronteiras! Miscigenem-se! mas se auto reconheçam negros. Ontem um jornal da TV aberta, comentando a situação do Vini, mostrou uma mãe que ensinou à filha de seis anos a dizer: eu sou uma negra de traços finos. Já é um avanço, pelo menos ela se reconhece como negra.

Sem se dar conta, o pardo criou uma nova tipologia morfológica, passível de continuar sofrendo, com o velho e dolorido racismo velado, pois nem sempre o negro de traços europeus escapa do veredicto doentio de parte da sociedade branca, nem da geração de frases absurdas, advindas da camuflagem racista: quase branco, mulata tipo exportação, da cor do pecado, preto de alma branca, com o objetivo de amenizar o que somos, de certa forma, anulando valores negros. A justificativa para negar a negritude, passa pela visão do branco e pela não aceitação de si mesmo, muitos preferem a ilusão dos sentidos à realidade do sangue.

Infelizmente os embranquecidos sociais negam a existência do racismo e se envergonham da origem, são seguidores do mito da democracia social, acreditam que o brasileiro é fruto de uma mistura de raças, embasando a premissa equivocada de que o racismo no Brasil é diferente.  Por se acharem brancos, fogem ao debate. Ingenuamente não discutem a respeito da indefinição da cor de suas peles, mas choram diante da solidão terapêutica do espelho, reconhecendo o estigma, advindo dos porões dos Navios Negreiros, que turvaram o valor da africanidade; os oprimiu e os priva de atingir o topo da pirâmide social. Pardo uma ova, senhor presidente, senhores membros do congresso e do STF, eu sou negro e quero a continuidade do restabelecimento de minhas oportunidades, minha inclusão plena, na sociedade que ajudei a construir.

O racismo estrutural, institucional e individual, além dos sérios problemas morais, proporcionou uma brutal diferença social, prejudicando, diuturnamente, a ascensão social dos pretos e seus descendentes. Aqui e alhures, negro/preto continua sendo um palavrão, usado para humilhar, jamais para elogiar. Salve, salve a cultura negra.

O protesto de Vini Jr. calou fundo no âmago da raça humana, mas, e principalmente, na consciência dos racistas europeus e brasileiros:

Respeito é bom e eu gosto, macaco uma porra, sou profissional do futebol arte, seu hijo de égua, e você, quem é? Por que insiste em me privar a acessibilidade à cidadania espanhola plena?

Diante dos questionamentos decorrentes do racismo sofrido por Vini Jr. fica a lição de que o preconceito, a discriminação e o ódio contra quem é diferente (pela cor, religião, nacionalidade ou até pela orientação sexual) não deve ter mais espaço em nossa sociedade. Devemos procurar o progresso da fusão de culturas e garantir a acessibilidade, a competição sadia; preconceito representa atraso. A campanha Black Lives Matter (Vidas pretas importam), mudou um pouco a forma como os brancos viam os pretos, mas ainda falta muito para nos reconhecermos irmãos e nos respeitarmos pelo caráter e não pela cor.

Eu sou, eu quero a assimilação total de minha existência, quero deixar de ser apenas um negro invisível. Eu conquistei meu espaço com o exercício do futebol arte.

*É professor, escritor, vice-presidente da ACRM (Associação Cultural Rio Madeira), ex-presidente da Acler (Academia de Letras de Rondônia), membro da AHMFPB (Academia de História Militar Forte Príncipe da Beira), fundador da ARL (Academia Rondoniense de Letras), onde ocupa a cadeira número três e recebeu o título de Presidente de Honra.

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