RO, Quarta-feira, 08 de maio de 2024, às 19:52



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Entenda o Arco do Desmatamento na Amazônia: conheça o roteiro da destruição de 1 milhão de hectares

Em 1981 foi divulgado o primeiro relatório de pesquisa do Programa de Monitoramento da Cobertura Florestal do Brasil, realizado em conjunto pela Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e o IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, antecessor do Ibama). O levantamento tomou por base imagens do satélite americano Landsat, que cobria toda a Amazônia a cada 18 dias. Seu foco foi a principal frente de penetração econômica da Amazônia, que se espalhava por uma área de 51 milhões de hectares, no sul do Pará, oeste do Maranhão e norte de Goiás (atual Tocantins).

O desmatamento, medido até 1979, atingia mais de um milhão de hectares. Podia parecer pouco, mas a pesquisa apontou a velocidade crescente na derrubada da floresta nativa. Pela primeira vez era possível encarar o problema a partir de uma base concreta e não mais através de meras especulações. As imagens obtidas através do satélite eram um retrato da realidade. Mas não toda ela.

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Em matéria que escrevi dois dias depois da apresentação do relatório, na sede da Sudam, me detive em cada imagem e tentei fazer uma interpretação com base nas informações obtidas nas minhas viagens a essa região. Cada imagem abrangia uma área de 136 por 185 quilômetros, formando um conjunto de mosaicos. Publiquei esse texto em agosto de 1981. Certamente ele possibilita comparações com a evolução dessa área, quatro décadas depois, atentando-se para a reconfiguração dos municípios na atualidade.

Esse trabalho comparativo seria muito importante, por uma marca histórica terrível. O “arco do desmatamento”, que se tornou o “arco do fogo”, com a penetração pioneira das frentes econômicas nacionais às áreas mais próximas das zonas de expansão do Brasil dominante à maior fronteira de recursos naturais do planeta (o Maranhão, o atual Tocantins, o Pará e Mato Grosso), deixou de ser o domínio da floresta tropical amazônica para se tornar, irremediavelmente, em uma savana – já sem possibilidade de regeneração, segundo os cientistas. O que nos consagra de vez como o país que mais destrói florestas no tempo mais curto da história da humanidade (no ano 3 da era Bolsonaro).

Espero que o leitor perdoe a extensão deste artigo e siga o roteiro com atenção. Perceberá que anda no sentido contrário ao que recomenda o conhecimento científico e na linha de uma devastação que avança indiferente à mais elementar racionalidade e sensibilidade. Na busca pela destruição da floresta amazônica.

Um destino brutal.

1                                                                  

Esta folha abrange parte dos municípios do Acará, Bujaru,Tomé-Açu e São Domingos do Capim, onde o desmatamento atingiu 80.770 hectares. É uma das áreas de ocupação mais antiga. Mesmo assim, o desmatamento não se aprofundou muito nas margens da rodovia PA-140.

As derrubadas se espraiam por toda a área, mas não são muito extensas, a não ser a oeste de Tomé-Açu. Contudo, há um fenômeno grave: as margens e as cabeceiras do rio Tomé-Açu estão quase totalmente desmatadas, inclusive em seu afluente, o que deve causar sérios problemas de assoreamento. Em menor escala, também está afetado o rio Acará-Mirim, especialmente no seu curso médio.

As transformações que podem ser observadas ao longo da PA-140 mostram que a colonização feita espontaneamente por pequenos produtores causa o desmatamento apenas no eixo central da rodovia, com pouca profundidade lateral. Deixa quase sempre talhões intermediários de mata entre as derrubadas. Toda essa área é coberta por floresta densa, o que amplia os prejuízos da devastação.

2

Esta folha pega partes de três municípios: Acará, Moju, Paragominas, S. Domingos do Capim, Tomé-Açu e Tucuruí. Pega o vale do alto e médio rio Capim, com seus formadores, o Surubiju e o Arurandeua. Em trechos dessa área, sempre às margens do rio, com pouca penetração interior, estão instalados moradores nativos do Pará com suas pequenas roças.

Mas nota-se que ao lado deles, dentro da mata, distribuem-se várias pequenas propriedades, inclusive fazendas incentivadas pela Sudam. Elas penetram nessa região utilizando não o rio, caminho tradicional do caboclo, mas a rodovia Belém-Brasília, a partir da qual abriram caminhos de penetração, as estradas vicinais.

O maior dos desmatamentos foi praticado pela Agropecuária Rio Cauaxi, que tem 27.255 hectares. O projeto pertence à Construtora Takaoka, de São Paulo, que já derrubou pouco mais de um terço da área da sua propriedade. A Fazenda Maringá também fez um significativo desmatamento, que acompanha um trecho cheio de curvas do rio Capim. Mas ainda há extensas áreas de florestas intocadas.

3

Esta folha se estende por parte do médio e baixo rio Tocantins e dos municípios de Baião, Moju, Portel e Tucuruí, no Pará. As alterações da cobertura vegetal atingiram 48.602 hectares. O desmatamento mais grave se localiza em Tucuruí, às proximidades da sede do município.

No eixo das duas estradas que saem de Tucuruí na direção de Baião e de Marabá há grandes áreas contínuas desmatadas, o que trará complicações para a vida da população. O mapa revela ainda que uma parcela considerável da área do reservatório da hidrelétrica de Tucuruí, na margem direita do rio Tocantins, já foi toda derrubada. Era de floresta densa, na qual não há nenhum projeto agropecuário aprovado pela Sudam.

4

Esta folha é de uma área leste do Pará, na divisa com o Maranhão. Compreende trechos de nove municípios (Bujaru, Irituia, Ourém, Paragominas, S. Domingos do Capim, Tomé-Açu e Viseu, mais Caraparu, no Maranhão). A área desmatada já cobre mais de 10% de toda a extensão dessa fotografia, ou 287.478 hectares, dos quais 111.776 hectares em Paragominas.

As margens do rio Capim, nesta folha, estão mais atingidas do que na anterior. Foram identificadas 11 fazendas nessa região. A maior delas é a Companhia Agropecuária Simeira, mas nela as derrubadas são ainda pouco expressivas. Em compensação, as fazendas Colatiera e Reunidas Emay (esta, com 22 mil hectares) estão chegando ao limite de 50% estabelecido pela legislação florestal.

Ao longo da Belém-Brasília há um desmatamento contínuo, sem qualquer interrupção, que, em alguns trechos, se aprofunda bastante nas laterais. Principalmente em Irituia, onde a paisagem já está completamente perturbada.

5

Esta folha atinge a parte final de Paragominas, onde o desmatamento atingiu quase 230 mil hectares, e pequenos trechos de São Domingos do Capim, ainda no Pará, e Bom Jardim, Carutapera e Monção, no Maranhão, onde a paisagem foi pouco afetada. O elemento marcante na área é a Belém-Brasília. Nela estão instaladas seis fazendas incentivadas pela Sudam. Uma das que parece haver chegado ao limite dos 50% que podem ser desmatados é a Pastoril e Agrícola Vale do Rio Gurupi, na qual o Bradesco é acionista minoritário, que tem 17 mil hectares.

O rio Gurupi, que separa o Pará do Maranhão, está intensamente desmatado em suas margens. Mais dramática ainda é a situação do seu afluente, o Gurupi-Mirim: da nascente até o curso médio, o desmatamento é contínuo nas duas margens.

Essa ação é proibida pela legislação para evitar fenômenos como os que têm sido observados na Zona Bragantina: o assoreamento e até o completo desaparecimento de cursos d’água, que perdem a cobertura vegetal de suas margens.

6

Esta folha é trecho do rio Tocantins à altura de Jacundá e das rodovias PA-150 (de Belém a Marabá) e a antiga PA-70 (da Belém-Brasília a Marabá). Abrange partes dos municípios de Igarapé-Miri, Itupiranga, Jacundá, Marabá e São Domingos do Capim, no Pará, e Imperatriz, no Maranhão. Na época (1979) em que foram obtidas as imagens de satélite, a colonização na PA-160 tinha menos de dois anos, mas já era intenso o desmatamento ao longo dela, tanto por colonos como por médios proprietários.

Mesmo assim, a devastação desta área, a oeste, se diferencia bastante da ocupação mais antiga, feita a leste, ao longo da PA-70 ou sob a influência da Belém-Brasília, onde as derrubadas são muito mais extensas. O desmatamento nessa folha atingia 166 mil hectares, sendo 107 mil em S. Domingos do Capim, um dos municípios mais compridos (direção norte-sul) do Pará e que, por essa característica geográfica, apresenta diversas formas de ocupação humana, por nativos, colonos e empresas.

7

Nesta folha o desmatamento ainda é inexpressivo: ela pega apenas dois municípios, Itupiranga e Marabá, nos quais a alteração da cobertura vegetal atingiu apenas 20 mil hectares. Nela está o vale do rio Itacaiúnas, com seu afluente, o Parauapebas, onde se localiza a província mineral de Carajás. Uma dezena de desmatamentos ao longo do alto e médio Itacaiúnas exemplifica bem a especulação de terras: são pessoas que se antecipam à penetração nessas grandes áreas ermas, convictas de que elas serão abertas à ocupação e por isso terão grande valorização. Fazem derrubadas sem qualquer interesse econômico imediato, apenas para garantir a posse.

Já em Paragominas essas derrubadas são mais frequentes, especialmente a leste, por influência das estradas. Os técnicos do Projeto Radam (Radar da Amazônia) sugeriram a criação de uma reserva nessa área, mas a proposta caiu no vazio.

8

Esta folha tem Marabá como centro, apanhando trechos de Goiás [hoje Tocantins] e do Maranhão, na bifurcação do Tocantins com o Araguaia, incluindo a Transamazônica entre Araguatins e Itupiranga. O desmatamento atinge quase 290 mil hectares, sendo 137 mil em São João do Araguaia e 64 mil em Marabá. A Transamazônica foi particularmente danosa a S. João do Araguaia, provocando a perda de 20% de suas ricas florestas, incluídos castanhais.

Pode-se verificar a convivência da grande propriedade com a pequena em alguns trechos, mas o processo de absorção em outros: o colono da margem da rodovia é engolido pelo proprietário, que se expande pelos fundos dos lotes dos assentamentos.

Na Fazenda Landy, próximo a Marabá, o desmatamento já ultrapassou os 50% da propriedade. Toda a área ao redor de Marabá perdeu sua cobertura vegetal. As cabeceiras do rio Sororó, afluente do Itacaiúnas, também foram devastadas. Nota-se que o intenso desmatamento praticado na PA-70 tem apenas uma interrupção: são os ricos castanhais do interior da reserva Mãe Maria, dos índios gavião, que a estrada corta ao meio. Por isso, são terras tão cobiçadas.

9

Esta folha pega o sul do Pará, entre Marabá e Conceição do Araguaia, onde o desmatamento ainda é relativamente pequeno (90 mil hectares), serve para demonstrar a força de uma estrada, quando ela corta uma região pioneira. É o caso da PA-279 (erroneamente assinalada no mapa como PA-270).

Em 1979, apenas 80 dos seus 270 quilômetros estavam abertos. Na ocasião, as obras se achavam paralisadas. Três anos antes, quando a construção começou, o governo do Estado tentara impedir o acesso à estrada, impondo um controle sobre a sua entrada. Aí surgiu Xinguara, povoado com mais de 20 mil habitantes.

Já em 1979 haviam sido desmatados ao longo do traçado da rodovia, às vezes até mesmo se antecipando a ela, num processo comandado pelo interesse especulativo, mas que atrai também o lavrador interessado em conquistar o seu sonhado pedaço de terra.

10

Esta folha é uma área compreendida entre a PA-150 (no trecho Marabá-Conceição do Araguaia) no rio Araguaia, no Pará, e parte de seis municípios goianos [tocantinos], onde já é maior a participação dos projetos agropecuários da Sudam (10 no Pará e um em Goiás).

A maior das propriedades é a do Bamerindus [banco com origem no Paraná já extinto], com mais de 80 mil hectares, encravada em região de castanhais, na divisa de Conceição do Araguaia com Marabá. O maior desmatamento, contudo, é o da fazenda São José, do empresário paulista José Alves Veríssimo, que tem 30 mil hectares de terras nas margens do Araguaia. O limite de 50% está sendo atingido.

O desmatamento em toda essa folha era de 292 mil hectares: 90 mil em Conceição do Araguaia e 72 mil em Xambioá. Segundo o mapa, trata-se de uma área de cerrado.

11

Nesta folha, centrada na PA-150 e abrangendo terras de Conceição do Araguaia, Marabá e São Félix do Xingu, verifica-se claramente o resultado dos grandes projetos agropecuários, serrarias e colonos, cuja ação é aí bastante intensa. A leste da estrada, há uma sucessão de pequenas derrubadas, provocadas por lavradores que penetram na região a partir do rio Araguaia, ocupando glebas de antigos loteamentos.

A oeste da estrada, 12 projetos agropecuários incentivos, dentre os quais se destaca a Companhia de Terras da Mata Geral, já no limite com a reserva indígena Gorotire. É fácil comprovar como detentores de grandes áreas a subdividem em duas ou três fazendas, com duplo objetivo. O principal deles é apresentar mais de um projeto à Sudam, a fim de receber maior volume de recursos financeiros. O outro objetivo é driblar a legislação florestal, que manda deixar intacta metade da área do imóvel rural.

Desmatamento bem menos curioso é um que aparece em uma colônia agrícola do Incra em Rio Maria. Comprido e delgado, parece mais destinado a servir de pista de pouso para avião do que à prática agrícola. Entre outros motivos, por isso também fracassou.

12

Nesta folha, mais ao sul da anterior, com partes dos municípios de Conceição do Araguaia, Santana do Araguaia e São Félix do Xingu, aparecem com nitidez as pastagens dos projetos agropecuários incentivados pelo governo federal. São grandes áreas, em média de 30 mil hectares, distribuídas em quadriláteros que deixam escapar sua origem: os loteamentos particulares feitos no final da década de 1950 e início da seguinte.

O que mais espanta não é propriamente a extensão da área desmatada (135 mil hectares): se o observador do mapa for fazer um sobrevoo da área constatará que grande parte dessas fazendas desmatou para formar pastos que ficam ociosos a maior parte do tempo por falta de rebanho.

A intenção nem sempre é a de dar à terra uma função produtiva, econômica, mas mantê-la como uma reserva de valor. A maioria dessas fazendas se formou antes da construção da estrada de Conceição do Araguaia a Santana e que agora passa por dentro de muitas propriedades. Naturalmente, valorizando-as.

13

Esta folha, já no extremo sul do Pará, divisa com Mato Grosso e Goiás, pode ser considerada histórica. Ela mostra o que foi a maior queimada de floresta feita na Amazônia, a mais célebre de todas: a da Companhia do Rio Cristalino, propriedade de 140 mil hectares da Volkswagen.

Em 1976 o satélite registrou um enorme incêndio no sul do Pará, que um cientista disse ter consumido um milhão de hectares, com evidente exagero. Eram 11 mil hectares, queimados de uma só vez. Aí está o grande prejuízo que a devastação causa pelas empresas é capaz. São extensas áreas de floresta, como a da Rio Cristalino, destruídas rapidamente. O mapa mostra que as derrubadas se concentram no limite sul da propriedade

LÚCIO FLÁVIO PINTO
Jornalista 






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