RO, Sábado, 18 de maio de 2024, às 13:18



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O falso “secreta” boliviano deu 171 no governador e “mamou” até no futebol – Histórias que a história não conta (2)

 Lúcio Albuquerque

PORTO VELHO (08-01) – Numa época em que “todo mundo conhecia todo mundo” a Porto Velho de 1953 contava pouco mais de 27 mil habitantes, e era comum, quando havia algum “forasteiro”, logo a notícia se espalhar. Afinal, havia apenas duas formas de alguém chegar na capital do Território do Guaporé, pelo Rio Madeira, vindo de barco, ou por um dos trens da Madeira-Mamoré ou, muito mais raro, chegar via aérea e, claro, a polícia sempre queria saber quem era quem.

E naquele início de 1953 um boliviano apareceu na cidade. Primeiro se enturmou com o pessoal do futebol, apendeu os caminhos do boteco, erra bom de noitada, arrumou logo muitos amigos e vendeu para a turma que era jogador de futebol, titular da seleção da Bolívia e que tinha vindo para o Território para tentar a vida. O jornalista Euro Tourinho, diretor do Jornal Alto Madeira, contava, rindo muito, as peripécias do boliviano.

Na década de 1950 um boliviano que viesse a Porto Velho usava o trem da Madeira-Mamoré, ou de barco pelo Rio Madeira

“Ele era bom de conversa, bom de boemia e que morava em La Paz, mas a estória que ele contou ao governador Jesus Bularmaqui Hosana (*) e que causou prisões e a demissão do governador só aconteceu depois”, lembrava Euro numa das muitas conversas que tive com ele em quase duas décadas trabalhando no AM.

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Na época, além de uns poucos bordéis da vida, as noitadas normalmente passavam por alguns botecos, como o “Arara” e os “clíperes” localizados entre as duas faixas da Avenida Sete de Setembro, e os notívagos e boêmios começavam tudo por lá para, depois, seguirem em frente.

Os historiadores Esron Menezes e Abnael Silva, além do goleiro Simeão Tavernard, também policial civil, contavam que um dia, ninguém sabe como nem de onde, apareceu o boliviano dizendo que era titular da seleção de seu país e logo foi convidado para um jogo amistoso a ser realizado no domingo seguinte no estádio “Paulo Saldanha”, pertencente ao Ypiranga (onde há poucos anos construíram um imenso prédio do Judiciário).

O cliper (no meio da avenida Sete de Setembro) era um ponto de reunião de notívagos na década de 1950

Na época Porto Velho tinha um jornal bem conhecido e circulando desde 1917, o “Alto Madeira” e outro em fase de buscar público, o “Guaporé”. Emissora de rádio só apareceria uma no final daquela década de 1950 e televisão, bom, no Brasil a primeira, TV Tupi, tinha menos de dois anos que começara a funcionar no Rio de Janeiro. Poucas pessoas tinham aparelhos de rádio e, mesmo assim, o com era tão ruim que algumas vezes enganavam muito quem estava ouvindo – como na final da Copa de 1958, quando Brasil e Suécia disputaram o jogo e um grupo ouvindo a partida num local, vibrou muito com o primeiro gol, que era da Suécia. No final, 5×2 para o Brasil.

O programa mais ouvido era a “Voz do Brasil”, por onde também vinham as notícias de demissões de governadores e era tradição: quem era contra o atual governador enchia a noite de foguetes, vivas etc. Em realidade a “rádio” mais ouvida era a “rádio cipó”, aquela que transmite a notícia boca a boca.

No dia do jogo, um domingo de sol em pleno inverno pesado, o estádio do Ypiranga estava mais que lotado: todos queriam ver o tal titular da seleção boliviana. Segundo ouvi, o cara entrou no campo, pegou duas vezes na bola, numa delas conseguiu fazer um gol. E saiu machucado. À noite ainda foi visto nos bordéis da vida, aproveitando ainda os comentários do gol que fez.

Como muitas damas já o conheciam, aproveitou a fama de “gran bailarin” e, mesmo “machucado” dançou e em seguida desapareceu. Uma semana depois o boliviano que nenhum dos entrevistados soube lembrar o nome, reapareceu, no palácio do governo onde foi contar ao governador Burlamaqui Hosana que um grupo local queria dar um golpe e criar a “República Socialista do Guaporé” (*).

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