Paulo Faria *

BELÉM –  A atividade do açaí é típica da agricultura familiar e uma das mais perigosas da área rural da Amazônia. A habilidade chama a atenção pelo grau de precariedade, em que os riscos se multiplicam no período da safra. Muitos desses homens chegam a subir no pé de açaí mais de dezenas de vezes por dia. Para tanto, eles usam a peconha, uma espécie de corda que eles amarram nos pés para ajudar na subida.

São três tipos de peconha: uma feita com a própria folha do açaizeiro, outra é feita com a fibra que recobre a folha, e a terceira, aquela é usada pela maioria dos peconheiros, é feita com saco de trigo, mais resistente na hora de dar apoio na subida. Esta última é usada por todos que vieram subir nos açaizeiros no terreno em que moro.

É nessa hora que eles correm sérios riscos, pois precisam alcançar a copa das árvores para apanhar o açaí. O problema é que a árvore ali é frágil, podendo pender e quebrar, levando a uma queda de mais de 10 metros, sem nenhum tipo de proteção. Quase 100% dessas pessoas já sofreram algum tipo de acidente. Para aumentar ainda mais o risco elas levam um facão preso na parte de trás do short para cortar o cacho, mas acabam se cortando no processo.

Para muitas famílias esse é o único meio de sobrevivência. Garantir que a coleta do açaí seja uma atividade menos perigosa na Ilha continua sendo um desafio para a administração pública.

O açaí tem papel importantíssimo nas famílias em Mosqueiro, em bairros como Carananduba.

Sempre havia morado no centro de Belém e só conhecia a Ilha como a maioria dos belenenses: em feriados ou nas férias. O açaí eu só via nas portinhas, quando abrem para venda próximo ao almoço, com a típica bandeirinha vermelha. E há 33 anos morando em São Paulo, só via o açaí em sorvetes, como produto exótico e energizante, vendido em bares e academias, com granola, banana e outros ingredientes. Às vezes o sabor era de xarope de guaraná, quase sempre misturado.

No início do ano, aqui na Ilha, estava 20 reais o litro e chegou a 25 em julho. E em agosto despencou para 8 e 10 reais, afinal, a ilha toda está abarrotada de açaí, e só aumentou em julho por conta do verão e do turista.

Em agosto a Ilha volta à tranquilidade dos moradores, e o açaí volta pra mesa como item básico. Mas por pouco tempo.

Na casa onde moro, em Carananduda, tem umas 9 touceiras – conjunto de açaizeiros numa só raiz, cada uma com mais de 5 pés de açaí, que deixou de ser um item distante e passou a fazer parte do meu cotidiano.

No muro da frente de casa se avistam as touceiras, que atraem a atenção de todo passante na rua. Elas ficaram carregadas no mês passado. “O senhor deixa eu pegar um cacho de açaí?”. E logo o homem estava com suas ferramentas: peia, touceira e facão, subindo ligeiro na palmeira. E logo entramos num acordo “Pode tirar o quanto precisar, só queria um pouquinho para beber”. E mais pessoas pediam para colher. E naturalmente os peconheiros foram chegando.

Levavam sacas paras suas famílias. Algumas queriam só para o próprio sustento. Outras para vender. “Eu tenho um terreno com alguns pés. Mas acabou tudo em julho. Posso pegar aí?”. E assim fui conhecendo essas pessoas e apreciando como que colhiam o açaí.

De outra forma como iria apanhar? Via os açaizeiros abarrotados e os frutos a começar a cair no chão, para alegria da cachorrada, que ficava brincando, ou roendo a frutinha. Como eu vou subir para pegar?

Ficava vendo a destreza com que subiam, travavam a touceira no pé, saltando para cima no caule da palmeira, sumindo nas copas.

Às vezes com o coração na boca, ficava ao lado para tomar conta dos cachorros. Tenho 13. E latem quando alguém subia no açaizeiro. Alguns ficam esperando em baixo, para pegar o pé. Davam saltos pra alcançar.

Os peconheiros desciam muitas vezes para deixar o cacho que cortavam. E eu ficava atento “Preciso ficar aqui. São uma alcateia. Podem atacar. Não dá para confiar”. E ficava longos minutos, quase uma hora, acompanhando o apanhar e debulhar os cachos. A maioria possui a máquina de bater o açaí.

Vinham pegar sempre pela manhã e ao meio-dia traziam o meu litro, no acordo feito. Açaí grosso e fresquinho.

Somente o primeiro homem, que retirou, não trouxe o prometido. Mas isso não impediu que eu deixasse o próximo tirar. A partir deste, todos vieram trazer o açaí batido. E o primeiro foi só a exceção à regra.

Me falam que logo vai acabar a estação do açaí e as famílias ficam preocupadas, pois o alimento é responsável ppr amenizar a fome na Ilha, que sofre de desemprego.

Não sei se existe uma cooperativa em Mosqueiro que vise alimentar essas famílias, para o consumo interno da Ilha, estocando, congelando o açaí para o resto do ano. Até onde sei, se visa somente a exportação para o sul e sudeste do país, onde ficam os lucros para os atravessadores e empresários, que vendem nas academias e nos bares, onde eu via em São Paulo. O que explica o alto preço praticado na Ilha. Se ninguém se importa com os riscos do peconheiro, imagine se preocupar com a fome desse povo.

E assim, essas vidas seguem na invisibilidade a abandono. E o açaí segue trazendo grandes riscos e pouco lucro para os preconheiros. Até quando?

* Teatrólogo e cronista

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