RO, Domingo, 08 de junho de 2025, às 13:47






Nas rodoviárias, o coração pulsante das cidades

Montezuma Cruz*

PORTO VELHO – Entre o final dos anos 1970 e início da década de 1980, quando a onda migratória rumo a Rondônia aumentava, o governador Jorge Teixeira de Oliveira tomava algumas providências. Uma das mais surpreendentes foi designar o mineiro Carlos Alberto Rodrigues Moreira gerente do Centro de Triagem de Migrantes (Cetremi) na estação rodoviária de Vilhena, BR-364, divisa Rondônia-Mato Grosso. Ele vivera na África, onde atuou como intérprete.

Nesse mesmo Cetremi trabalhava a socióloga Frieda Kotlar, que com ele dividia o trabalho de recepcionar famílias de migrantes, assistindo-as em suas necessidades. Comigo, o jornalista e publicitário Cleiton Pena conheceu esse cenário, em 1980.

Salvo aqueles premeditadamente prontos a desembarcar em Rondônia, muitas famílias chegavam praticamente sem rumo. Ficavam à mercê do socorro inicial do próprio Cetremi, do Incra, ou de algum parente ou conhecido.

O direito constitucional de ir e vir funcionava e nem precisa ser invocado no Brasil de desempregados. Da maneira como observou minha amiga Rosinalva Galindo na agência de passagens da Eucatur, na rodoviária de Monte Negro, ao receber na semana passada numeroso grupo de trabalhadores paraenses, maranhenses, mato-grossenses, entre outros empregados em serviços nos linhões de energia elétrica.

“Eu me lembro das pessoas com o cacaio nas costas, dormindo nas rodoviárias daqui e de Ariquemes”, diz. “Hoje eu percebo na fisionomia deles quem são os do centro-oeste e os nordestinos”, acrescenta.

No final dos anos 1970, essas famílias recebiam apoio daqueles que já estavam assentados, caso do agricultor goiano Valdemar Pereira [linha C-25], pai de Rosinalva, que lhes fornecia até alimentação, sem nada cobrar pelo auxílio.

No começo, o Cetremi em Vilhena controlava a situação. Hoje, com mais de 1,7 milhão de habitantes e mesmo com migração a conta-gotas, Rondônia não tem o mapa sociológico exato de sua gente.

Por essa razão, seria importante para o governo e para os técnicos do Planejamento voltar os olhos para as rodoviárias municipais, por onde circula a maioria dos migrantes.

Bem aplicado, todo dia, respeitosamente e sem delongas, um questionário acessível e pouco burocrático revelaria de onde vêm os trabalhadores que buscam o seu horizonte, ou a terra de Canaã, como se dizia nos anos 1970.

A exemplo do que fazia Carlos Alberto no Cetremi, os técnicos de hoje incluiriam nas entrevistas uma indagação: o que a pessoa ouviu dizer e se conhece o município onde pretende chegar.

Pesquisas feitas em estações rodoviárias são de grande valia aos municípios e ao estado. Todos sabem que os censos do IBGE dão muito mais trabalho aos servidores desse instituto.

É nessas estações que os migrantes abrem o coração para mostrar um pouco de si, suas agruras e vontades em melhorar.

Nas rodoviárias se vê quem tem ou teve casa; quem aluga, quem mora na rua; a cor das pessoas; se estão empregadas ou desempregadas, quantos filhos, netos e agregados possuem.

Nas rodoviárias sabe-se da dor de cada um, as doenças de cada um, sobretudo, as esperanças acalentadas.

Fotos de Kim-Ir-Sem Pires Leal, na Rondônia de ontem

*É repórter

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