PORTO VELHO (24-01) – Imagine-se hoje, quando as mulheres estão bem inseridas na vida sócio-econômico-política, um fato de maior dimensão acontecer e ao final dele elas serem impedidas de assinar a respetiva ata. Ou, ainda mais, nem terem podido ter acesso a assistir tal ato, quanto mais participar.
Nem bem o ato estivesse encerrado e com certeza já haveria um mandado de segurança para que, além de participar, elas também tivessem direito a falar, a sugerir e assinar a respectiva ata. E ninguém duvida que estavam cobertas de razões, além de vozes masculinas também questionarem os organizadores cobrando o direito daquelas cidadãs, e com todas as carradas de razões.
Mas aqueles eram os costumes em 1915, quando às populações da “Porto Velho dos brasileiros” e a da “Porto Velho dos americanos” lotou a rua Barão do Rio Branco, naquela manhã de quinta-feira, 24 de janeiro, em torno da casa do morador Manoel Félix de Campos, para assistir à instalação do município e a posse do primeiro Intendente (prefeito) de Porto Velho, o Major de Engenharia do Exército Guapindaia de Souza Brejense e dos Intendentes (vereadores) José Jorge Braga Vieira, Luzitano Barreto, Antônio Sampaio, Manoel Felix de Campos e José Camargo.
A criação do município, pela Assembleia Legislativa do Amazonas, Ato promulgado pelo governador Jonatas Pedrosa, foi a sequência natural da vila surgida a partir de quando a empresa construtora da ferrovia Madeira-Mamoré decidiu procurar um local que desse calado mais fundo para grandes barcos, transportadores de pessoal e equipamentos, que tinham dificuldades, no período de vazante do Rio Madeira, em atracar em Santo Antônio do Madeira, cidade mato-grossense da qual resta hoje apenas a igrejinha de Santo Antônio de Pádua.
Essa decisão gerou um problema, narrado em 1912 – Vitória na Selva”, pelo escritor e membro da academia Rondoniense de Letras, Ricardo Leite, quando foi feita cobrança judicial ao Brasil para pagar por essa extensão de 7 quilômetros a mais no traçado original da ferrovia.
Em 1915 o governo brasileiro não era senhor de toda a área de Porto Velho, porque a partir do que passou a ser chamada “Avenida Divisória”, atual Avenida Presidente Dutra, até o Rio Madeira a área era administrada pela empresa norte-americana construtora da ferrovia. Lá o dinheiro era o dólar, a lei e a bandeira eram dos Estados Unidos. E dia 4 de julho era feriado.
Quando a região foi transformada em canteiro de obras da ferrovia, aos poucos foi sendo desidratada a cidade de Santo Antônio com comerciantes e outros moradores buscando espaço no entorno da nova área ferroviária, Porto Velho, uma cidade que, em verdade, não tem certidão de nascimento e nem a de batismo, no primeiro caso porque alguns segmentos negam a data de instalação do canteiro de obras e, no segundo, porque não há documento sobre a razão do seu nome.
A Porto Velho de 1915 já sediava o munícipio, mas nem era ainda reconhecida como “cidade”, o que só aconteceria em 1919, via outra lei amazonense, a sede da comarca era em Humaitá – de cujas terras surgiria a hoje capital rondoniense e o prefeito Guapindaia teve de se instalar numa casa cedida pela administração da EFMM.
E AS MULHERES?
Talvez a melhor explicação do papel da mulher naquele primeiro quarto do Século XX seja mesma a que me foi dada pelo imigrante libanês Abdon Jacob Atallah: “naquele tempo mulher era para cuidar da casa, dos filhos e ir à igreja. Não se metiam em política”. Aos 15 anos, presente àquele ato histórico, o patriarca resumiu a diferença entre a mulher atual e suas bisavós no tempo da I Guerra Mundial.
Ah! Sim! O adolescente Abdon Jacob Atallah, com alguns meses antes de completar 15 anos, também não assinou a ata de instalação de Porto Velho, porque não tinha idade.
*É repórter
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