RO, Sábado, 18 de maio de 2024, às 17:32



RO, Sábado, 18 de maio de 2024, às 17:32



GUAJARÁ-MIRIM III – De ouvido no trilho, os meninos sabiam e anunciavam quando o trem ia chegar

De repente o soar do apito de um trem chega aos ouvidos de centenas de brasileiros, estrangeiros, índios, bolivianos, judeus, árabes, que trabalharam na construção da ferrovia Madeira-Mamoré e festejaram a inauguração da ferrovia Madeira-Mamoré, em agosto de 1912

Lúcio Albuquerque

GUAJARÁ-MIRIM – “O primeiro Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada”. A frase, atribuída ao jornalista Nelson Rodrigues, bem que pode ser aplicada à história de Guajará-Mirim, a partir do apontamento feito pelo escritor e historiador Abnael Machado de Lima: “A localidade era já no século XVIII como um ponto de referência entre Santa Maria de Belém do Grão Pará e Vila Bela da Santíssima Trindade no Mato Grosso”.

Do outro lado havia um núcleo mais desenvolvido, Guayaramerin, e o lugar era tão pequeno que do lado brasileiro nem tinha nome, era “Quadro”, a referência, mas chegaram homens de várias nacionalidades porque, definida a questão acreana o Brasil mandou cumprir seu lado do Tratado de Petrópolis, construindo uma ferrovia que, margeando as cachoeiras entre Santo Antônio e “Quadro”, desse meio à Bolívia de acesso ao mar, depois que no final do século XIX perdeu 400 quilômetros de costa oceânica para o Chile.

O trem rasgando a selva de Porto Velho a Guajará-Mirim, sempre margeando o rio e contornando sua cachoeiras

O que era um minúsculo povoado, que pelo Tratado seria ponto terminal da ferrovia denominada “Madeira-Mamoré”, começou a se desenvolver e lá ninguém se preocupou quando a construtora decidiu instalar seu canteiro de obras num local que não constava do contrato original (o local era Santo Antônio, 7KMs à montante dali), mas gerando outra cidade, Porto Velho.

O TREM

O último diretor-geral da Madeira-Mamoré discursa, no último episódio da ferrovia, a 10 de julho de 1972

De repente o soar do apito de um trem chega aos ouvidos de centenas de brasileiros, estrangeiros, índios, bolivianos, judeus, árabes, que trabalharam na construção da ferrovia Madeira-Mamoré e festejaram a inauguração da ferrovia Madeira-Mamoré, em agosto de 1912, e muitos dos que, de alguma forma, foram até lá decidiram ficar, seja por amor à terra ou por não poderem retornar.

O trem trouxe desenvolvimento, “quando chegava à cidade era uma festa, e quando retornava era outra. As mulheres iam com suas melhores roupas e perfumes até a estação” lembra o escritor Paulo Saldanha que quando garoto gostava de ir com amigos para a estação, colar o ouvido no trilho e adivinhar assim o tempo que faltava para a chegada diária”. Segundo ele, as “damas da noite” também se enfeitavam para ver a chegada, “e o mais solicitado delas era o maquinista”, lembra.

Em 1917 o capitão Manoel Theophilo (Comissão Rondon), deu forma poética à importância do trem para a região: “Guajará-Mirim cresce como uma cabocla ribeirinha, sapeca, embalada, com um ar de encantamento e mistério” (Tereza Chamma, “Guajará-Mirim, a Pérola do Mamoré”).

Graciliano Maia Filho, cujo pai foi chefe de estação, lembra de outro segmento que também se beneficiou do trem, “os carroceiros, numa época que não havia caminhonetes e que faziam o transporte de carga tanto para os que chegavam quanto para os que iam viajar ou pretendiam mandar mercadorias para Porto Velho ou alguma estação do trem. Eram homens respeitados pela população’’.

“MALANDRAGEM”

Em 1931 o consórcio anglo-canadense, que administrava a estrada, alegando prejuízos, anunciou que iria rescindir o contrato com o governo brasileiro, o que deixaria a área coberta pela ferrovia sem os trens, e há até uma “malandragem” do então delegado do governo federal Aluízio Pinheiro Ferreira que levou à saída do consórcio. Caso ficasse uma semana sem circular a empresa perderia a concessão.

Passageiros e ferroviários colocando a lenha para alimentar o trem, numa das paradas entre Porto Velho e Guajará

Com base em relatos feitos por Euro Tourinho, jornalista, e Esron Menezes, historiador, quem decidiu a questão foi uma “malandragem”: na noite do sexto para o sétimo dia sem trem, a empresa decidiu retornar à linha, e mandou que uma equipe de ferroviários preparasse a máquina. Às cinco da manhã do sétimo dia o maquinista iniciou o aquecimento da máquina, na estação de Porto Velho. Foi aí que apareceram dois ou três elementos fingindo estarem bêbados, começaram a atrapalhar o trabalho.

Desafiaram o maquinista – avô do jornalista William Jorge – de tal modo que apareceu a polícia e levou todos para a delegacia, onde ficariam os dois presos e o maquinista voltaria para começar a viagem. Naquele tempo Porto Velho só tinha um delegado e ele tinha de interrogar os envolvidos.

Resumo da ópera: durante todo o dia o delegado esteve sumido, ninguém o encontrava. Quase no início da noite ele apareceu na delegacia, anotou o B.O., mas com isso o consórcio não pode retomar a linha, e alguns dias depois o Ministro da Viação informava que o capitão Aluízio Pinheiro Ferreira era o novo gerente-geral da EFMM, o primeiro brasileiro no cargo.

A estação de Guajará  em 1960

A vida do trem da Madeira-Mamoré não se resumia apenas a levar e trazer passageiros entre as duas cidades. O movimento de carga era grande, inclusive de gêneros, não haveria mais as alegres excursões de estudantes em grandes embates desportivos ou literários. Agora apenas o silêncio e as boas lembranças ficaram.

Sem o trem da feira, que uma vez por semana saía de Guajará e ia pegar gêneros na colônia do Iata, levando alimentos e outros produtos para a feira de sábado em Guajará, e o outro que vinha de lá até Porto Velho, levando grandes quantidades de gêneros incluindo tartarugas, gado para abate e outros produtos, nas duas cidades começou a faltar comida.

A rodovia, BR-425, que ligava Guajará até a BR-364 e dali a Porto Velho, era uma estrada  de muita lama, sendo que várias vezes, no pico do inverno, só com cargueiros da FAB era possível manter o abastecimento da cidade, carinhosamente chamada “Pérola do Mamoré”.

O COMEÇO DO FIM

Mas, no dia 25 de maio de 1966, quem tinha um aparelho de rádio ouviu, pelo programa “Hora do Brasil”, a confirmação do que já se falava: a ferrovia entrava em regime de extinção, conforme decreto nº 58.501, assinado pelo presidente Castelo Branco, “considerando que a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, por ser linha férrea antieconômica, deverá ser suprimida, tão logo se construa a rodovia federal substitutiva”.

Ao fundo a estação da EFMM, agora transformada em museu e à frente uma locomotiva exposta permanentemente, para lembrar a importância da ferrovia para a cidade fronteiriça

Foi o começo de um drama que só terminaria no dia 10 de julho de 1972, quando oficialmente o apito do trem se fez ouvir, pela última vez, nos pátios de Porto Velho e de Guajará-Mirim, quando, conforme o decreto de extinção, foi aplicado. Uma história de 60 anos, às vezes interrompida até pelas enchentes do Rio Madeira e tributários impediam que o trem se deslocasse em segurança.

Uma história que passa de geração a geração em Guajará e que contribui muito para o dístico de que a Pérola do Mamoré é a capital da cultura rondoniense.

Lúcio Albuquerque, especial para o www.expressaorondonia.com.br




+ NOTÍCIAS


PRF reforça fiscalização nas rodovias de Rondônia com a Operação Via...

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) dará início, neste domingo (19), à Operação Via Ápia. Uma iniciativa que visa reforçar a segurança nas rodovias do...

O DIA NA HISTÓRIA — Dia Nacional de Combate à Cefaléia

PORTO VELHO — 18.5.2024 – BOM DIA! RONDÔNIA: HOJE É: Dia Nacional de Doação de Leite Humano. Dia Nacional de Combate à Cefaléia. Dia...

+Notícias