RO, Segunda-feira, 05 de maio de 2025, às 12:11




Em tempos românticos, baculejo e Juizado agitavam coroas e cocotas

PORTO VELHO – Tu estás torrando o salário no lupanar? – indagava o jornalista Vinícius Danin a seus colegas do jornal Alto Madeira. Ele adorava essa designação de prostíbulo ou cabaré. Ambas as palavras têm a mesma adjetivação, e o que valia era o som daquele sotaque paraense de um dos mais queridos profissionais de imprensa na história da Capital rondoniense.

Vinícius Abraão Coutinho Danin, lendário personagem da história do jornalismo porto-velhense

Aqueles em melhores condições frequentavam a Taba do Cacique e a Maria Eunice, mas havia os que rodavam em carro próprio ou de táxi, com um pé lá e outro cá. Ou seja, tanto iam à ZBM quanto iam às casas requintadas. Na Taba coberta de palha e com enormes cascos de tartaruga pendurados no teto dançava-se do mesmo jeito que nos clubes sociais, e se disser que o estabelecimento de seu Carmênio Barroso recebia gente da alta sociedade pode soar exagerado, mas era assim mesmo. Ambiente finíssimo e organizado. Um dia acabou.

“(…) Chego ao fim de semana com o coração entristecido. Na Avenida Pinheiro Machado, bem no centro de Porto Velho, região que frequentei com assiduidade nos meus tempos de porrista, num happy end onde o melhor de nossa intelligentsia esperava o raiar do Sol, como todo bom boêmio, um enorme tapume cerca aquele lugar que foi – para mim e para tantos – o último grande reduto cultural de Porto Velho, onde era possível viver e recriar sonhos. Estou falando, é claro, da Taba do Cacique, um lugar que sempre fascinou àqueles que tinham em si uma semente revolucionária, o desejo idílico de transformar, quando não o mundo, pelo menos a nossa querida Rondônia” – escrevia o jornalista Gessi Taborda em 31 de março 2003.

“A Taba do Cacique – invenção dessa figura extraordinária que é o Carmênio – era, por assim dizer, o lugar preferido de todos os que acreditavam na arte, no utópico, no idealismo, no romântico. Sempre à meia luz, a Taba nunca deixou de ser um lugar iluminado. Danem-se os falsos moralistas e os recém-convertidos ao comércio religioso, que contribuiu para destruir o saudável clima de cabaré que fazia de Porto Velho, em vez de sórdida filial de oportunistas, a grande Shangrilá para seus filhos adotados como eu próprio – de regiões dominadas pelo conservadorismo careta.”

Taborda derramava seu pranto, dividindo a decepção com centenas de antigos e recentes frequentadores: “A Taba, ferida de morte, está com seu passaporte carimbado, emparedada pelo tapume de agora, para o mitológico de um espaço que deveria ser preservado como um museu vivo (…)”.

Carmênio, dono da noite. Taba foi o restaurante que mais reuniu lindas mulheres na Capital

“A Taba reinou imponente por anos a fio entre botequins, bordéis, casas de pasto (ah! como me recordo da Narita!) com suas fachadas meio barrocas, meio neoclássicas, meio borocochô pop. Nesse grande quadrilátero onde Porto Velho não dormia, a Taba na sua glorificada arquitetura indígena foi certamente o cenário dominado pelos personagens shakespearianos que faziam da noite de nossa Capital uma rica experiência cultural e intelectual fascinante até para quem nos visitava pela primeira vez” – lamentava o jornalista.

“Seu fim deve ferir o orgulho de nós todos que nos defrontamos com uma cidade decaída de sua beleza superior, de sua insuspeita poesia nascida no bucolismo daqueles ligados pela alma às nossas origens ribeirinhas e florestais. Com a Taba do Cacique se vai um pouco da afirmação de nossa identidade, de nossa coragem revestida de mansidão amazônica, de nosso sonho libertário de pioneiros e desbravadores.”

Sem o velho glamour original da “casa da Maria Eunice”, ao lado da antiga Teleron na Rua D. Pedro II, que não existe há tempos, mulheres ainda faziam ponto em 2023. Lá no quintal estavam em pé e perfumados os quartos cujas paredes “contam histórias”, e dentro do prédio, o salão onde se reuniu a nata do empresariado porto-velhense recebida carinhosamente pela gerente, dona Deusa.

Rigoroso até as tampas, o arrocho às casas noturnas fez apagar as luzes coloridas em diferentes pontos. O movimento foi caindo até mesmo em casas mais requintadas, a exemplo da Arariboia, do empresário Ferreira, onde um globo iluminado lá no meio e no alto da boate girava o tempo todo. Era semelhante àquele visto na coreografia da novela global Dancin’Days, que fez sucesso também aqui em Rondônia entre junho de 1978 e janeiro de 1979. Só que o Ferreira estreara seu globo giratório bem antes da novela.

A debandada das menores arrastou mulheres adultas e experimentadas, que até então se lixavam para as leis dos costumes – única talvez a vigorar nos prostíbulos.

Pressionados pela Igreja Católica, que via na prostituição juvenil “uma verdadeira chaga aberta na sociedade”, o Juizado de Menores até então inoperante e apático, funcionando praticamente graças à abnegação de uns poucos comissários pouco remunerados, começou a “corrigir os costumes.” Obviamente incentivados pelo empurrãozinho da Secretaria de Segurança Pública territorial.

Quase indiferentes a tanto barulho, enquanto a tempestade fazia naufragar barcos de longas milhas no mar agitado das noites de Porto Velho, ninfetas [ou cocotas, como se dizia aqui] rebeldes e carentes da sobrevivência financeira, permaneciam em frente às boates. Estavam impedidas de entrar nas boates da ZBM, e assim faziam o trottoir nas barbas do porteiro, dos aliciadores, e diante de frequentadores com água na boca.

Acostumado a viajar no eixo Manaus-Rio Branco-Porto Velho, um representante comercial de marcas famosas de calças e camisas de uma fábrica do interior paulista buscava explicar o fenômeno:

– Isso não é coisa de se estranhar, a gente até esperava que um dia fosse acontecer. É claro que a polícia dando em cima das menores, quem estava acostumado com meninas de trinta e poucos quilos, só a perigo “comerá” uma “coroa” …

No entanto, as “coroas” prezavam muito a sua participação naquele combalido período de decadência, e conversas iguais à do representante comercial soavam como exploração. “Não é agora que vamos deixar a peteca cair”, gargalhava Paula, 30 anos em 1979. Ela estava cansada de ouvir que os homens que iam ao bairro do Roque estavam mesmo a fim de valorizar as “coroas”.

Entre um prato de sopa e outro, num dos quiosques em frente à Boate Copacabana, Paula comentava com Inês, colega vinda do Acre: “A pensão da mamãe é um lugar tranquilo, sempre arrumo meus homens por lá, mas o melhor negócio mesmo é a gente correr trecho, mana.” Segura de si: “Eu acho uma boa, por isso não paro mais em Porto Velho. Na verdade, tem muita garotinha aí querendo botar banca. Pra cima de mim, não! Sou filha de cearense e na cama derrubo muito macho metido a besta.”

E foram se sucedendo as batidas. Caçavam menores sob mesas e debaixo de camas, constrangendo frequentadores do salão e ocupantes dos quartos que nada tinham a ver com a situação.

A SSP arranjava uma confusão tremenda, pois a maioria desses habitués não gostavam nem um pouco de ser flagrada longe de casa. Por vezes a polícia excedia-se no zelo passando a exigir documentos das pessoas. Numa noite estávamos na Riomar com o radialista Maurício Fares* (Caiari AM), quando a polícia chegou para um baculejo.

Radialista e cantor Maurício Fares, um dos famosos da Rádio Nacional da Amazônia, trabalhou também na Rádio Caiari e na TV Rondônia

Maurício carregava na sacola de pano: rouge e batom usados para contrastar sua pele morena nas edições diárias do Jornal de Rondônia da TV, onde também trabalhava. Mexe daqui, mexe dali, e nós todos assistindo a cena, ouvimos de um dos agentes:

– Que porra é essa! Radialista? Esse cara é um bichona.

A abordagem terminou com muito riso, caipirinhas e cervejas sobre a mesa dos jornalistas.

Revistando todo aquele que considerava a suspeito, a polícia puxava as toalhas das mesas para encontrar meninas, e ia até os quartos dos fundos onde as mulheres viam levados, muito a contragosto, seus pretensos fregueses.

Quando endureceu a abordagem nas estradas, só tinham garantido o direito de ir e vir, mesmo desacompanhadas, as menores portadoras de autorização do pai ou responsável. Como essa parte das medidas não surtia efeito, inventavam de exigir autorização fornecida pela autoridade competente, ou seja, do Juizado da cidade de onde procediam.

A despeito do juiz Benedito Geraldo Barbosa afirmar naquele período “desconhecer a entrada de menores procedentes de outras cidades, o troca-troca entre o Acre, Goiás, Mato Grosso, e Rondônia continuaria.

O juiz do Acre, Evaldo Abreu de Oliveira, ameaçava dobrar a fiscalização em caminhões e ônibus. Chegou a notificar algumas empresas, mas as meninas começaram a transitar de carona entre um estado e outro. (Voltarei ao tema)

NOTA

Maurício Fares, mineiro de Uberlândia, começou a carreira no serviço de som da Estação Rodoviária de Brasília. Acompanhou a construção de Brasília e trabalhou 25 anos na Rádio Nacional da Amazônia. Seu período de trabalho em Porto Velho (1978-1979) deu uma guinada na Rádio Caiari AM: à noite ele gravava com repórteres e editores os principais destaques das edições do dia seguinte de A Tribuna, Alto Madeira e O Guaporé. Isso tornava mais atraente o jornal-falado matinal daquela emissora, pois nossas vozes, de artífices da notícia, faziam repercutir o conteúdo de cada diário, e o público apreciava essa identificação.
Maurício, cantor de “Coração ferido”, entre outros sucessos populares, foi um dos mais famosos integrantes do cast da Rádio Nacional. Sempre foi prestigiado pelo público amazônico. Um recorde: apresentou-se em um show com 85 mil garimpeiros em Serra Pelada (PA), juntamente com Cleyton Aguiar, Márcia Ferreira, Rui Simas, e a dupla Chico Rey e Paraná.

MONTEZUMA CRUZ

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