A perfuração de poços como forma de amenizar a crise de falta de água durante os meses críticos do verão amazônico é a solução mais imediata defendida por autoridades da região, especialmente os prefeitos. Mas ela não dá conta de conter o colapso do abastecimento em decorrência do exaurimento de água de mananciais. Durante a grande seca de 2023 as consequências da estiagem começaram a ser debatidas.
A Associação Rondoniense dos Engenheiros Ambientais (AREA), por exemplo, apresentou Carta Aberta ao poder público sugerindo à sociedade medidas que minimizariam os efeitos adversos da crise hídrica.
Em Rio Branco (AC), diante do risco de colapso no abastecimento de água potável para a cidade por causa do nível crítico do Rio Acre, o prefeito Tião Bocalom (PP) afirmou que determinaria a perfuração de poços como forma de amenizar a crise. Por sorte o manancial se manteve em níveis de boa captação até o começo do período chuvoso.
A única solução colocada em prática foi a distribuição de água em carros-pipa para as comunidades urbanas e rurais mais impactadas. Isso ocorreu aconteceu em cidades de Rondônia e do Amazonas.
Apesar de o período de chuvas já ter iniciado e amenizado as situações mais críticas, a AREA menciona prognóstico meteorológico dos órgãos oficiais, especialmente o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), apontando os meses de janeiro a março de 2024 como de predomínio de chuvas abaixo da média climatológica (média histórica) em grande parte do estado
De acordo com o Censipam, isso se deve à influência do fenômeno El Niño, implicando menor reserva hídrica no período de estiagem e até novos eventos de desabastecimento.
A crise entrou em pauta em assembleia ordinária no dia 21 de dezembro de 2023 pelo Grupo Técnico de Crise Hídrica da Associação dos Engenheiros Ambientais (AREA). A entidade considerou principalmente o Decreto governamental nº 28.647 (12 de dezembro de 2023).
“As interferências climáticas podem se estender até 2025, com cenários futuros desfavoráveis em termos hídricos, com consequências negativas ambientais, econômicas e sociais” – assinala o CenSIPAM.
O presidente da entidade, Weckecley Bianqui lembra que a carta aberta se fundamenta em medidas tomadas pelo grupo técnico, que quer contribuir com a gestão mais adequada dos recursos naturais.
Diante da situação atual de estresse hídrico em diversos municípios rondonienses e visando a situações futuras, a Area analisou a suspensão de abastecimento público de água por proliferação de microalgas em períodos de estiagem e a baixa disponibilidade hídrica em período de estiagem.
Para o enfrentamento da situação, propôs aos órgãos fiscalizadores e reguladores a cobrança das concessionárias de água, através de planos prioritários de contingência dos sistemas de abastecimento para cada município que atendem.
Esses planos seriam atualizados anualmente e apresentados aos Comitês de Bacias Hidrográficas existentes, a fim de serem formuladas ações de prazos imediato (abril de 2024); curto (período de chuvas, até a maio de 2024); médio (período crítico de seca, junho a dezembro de 2024); e longo (pós crise hídrica).
A Area contempla uma estimativa aproximada de custo para cada ação prevista, a fim de subsidiar o poder público a levantar em tempo hábil os valores que necessitem em cada caso, sugerindo ainda a criação de um fundo ou reserva de contingência para ações emergenciais;
Outras soluções emergenciais devem ser previstas, além de dragagem de captações, utilização de poços públicos e particulares, e a possibilidade de captação em lagos de barragens existentes, a exemplo de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
Junto com tudo isso, os engenheiros propõem campanhas de combate ao desperdício e a perdas de água no sistema. “O órgão outorgante dos recursos hídricos deve empenhar maior eficiência, através das seguintes ações:
- Estruturação de seu(s) setor(es) especializado(s), com estabelecimento de critérios técnicos para liberação, ampliação, redução, suspensão e extinção do direito de uso da água de outorga, de acordo com a Lei nº 9.433/1997, observando as prioridades de uso da água.
- Intensificar a fiscalização com o intuito de evitar o uso irregular dos recursos hídricos.
- Adotar uma plataforma (sistema dinâmico) que permita a verificação da disponibilidade hídrica para emissão de outorgas, mantê-la atualizara e permitir, no mínimo a sistematização de dados relevantes para a tomada de decisão do órgão gestor em momentos de crise e possibilitar a realização de balanço hídrico (disponibilidade e demanda).
- Medidas de gestão dos recursos hídricos com base nas recomendações do(s) setor (es) especializado(s). Caso o gestor da pasta necessite tomar alguma medida que contrarie as recomendações técnicas, essa medida deve ser justificada aos órgãos de controle.
- Estruturação dos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) existentes e implementação dos demais comitês legalmente instituídos, bem como a elaboração e aplicação de seus respectivos Planos de Bacias Hidrográficas.
- Implementação de um programa estadual de recuperação de nascentes e APPs nas microbacias mais críticas, com diagnóstico de uso e ocupação do solo (baseado em dados oficiais ou por meio de cálculos estimativos), contemplando e integrando todas as iniciativas de municípios, instituições e ONGs que desenvolvem trabalhos nessa área.
- Promover aprimoramento no sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR) e maior agilidade nas análises, o que pode acelerar a recuperação de APPs e nascentes pelos proprietários rurais.
- Ampliação e atualização (dados abertos: HidroWeb e SIAGAS, por exemplo) da rede de monitoramento hidrológico no estado, contemplando os mananciais de abastecimento público e seus principais afluentes, bem como em parcerias com os municípios, monitorar as microbacias urbanas, a fim de subsidiar o planejamento das infraestruturas de saneamento básico.
- As concessionárias devem promover a otimização das infraestruturas de captação, permitindo maior maleabilidade e manobras em períodos de seca com baixa lâmina de água nos mananciais ou períodos de cheia extrema.
- As entidades do terceiro setor (associações, ONGs e institutos) que guardam correlação com o meio ambiente e os recursos hídricos devem se mobilizar em prol da sensibilização e educação ambiental da população em geral, cumprindo suas funções sociais e ambientais, que é a razão de suas existências.
- Que a sociedade em geral se comprometa individualmente a evitar desperdícios de água em seu meio (residências, comércios etc.), diminuindo o consumo, na medida do possível, e reaproveitando a água para outros usos sempre que possível.
- Os usuários que necessitem realizar interferências em corpos hídricos, que procurem um profissional habilitado na área ambiental para que possa realizar os estudos técnicos necessários, a fim de assegurar uma captação adequada e mitigando os impactos ambientais.
O grupo destacou no tocante à gestão dos recursos hídricos em Rondônia, especial atenção às primeiras medidas que normalmente são adotadas na sociedade, em busca do fornecimento de água a partir de novas fontes e, em sistemas com captação superficial (rios e lagos); a migração dos pontos de captação, ainda que temporariamente, para fontes subterrâneas (poços).
Furar poços não resolve
“Tais medidas vêm sendo aplicadas por parte de concessionárias de abastecimento de água e por condomínios residenciais e indústrias, em busca de melhor regime de abastecimento. Assim, é importante ressaltar que, em períodos de estiagem, não só o escoamento superficial diminui, mas também o escoamento subsuperficial (água do solo). Com o avanço da captação de águas subterrâneas e o prolongamento da estiagem, inevitavelmente ocorrerá o rebaixamento do nível das águas subterrâneas” – assinala a entidade.
A AREA considera que a perfuração e ativação desenfreada de poços sem atendimento dos critérios técnicos não resolve a falta de disponibilidade hídrica, podendo ainda agravar a crise, comprometendo as reservas subterrâneas.
Assinam o documento: a coordenadora do Grupo Técnico de Crise Hídrica, engenheira sanitarista e ambiental Priscylla Lustosa Bezerra; e os engenheiros ambientais: Aline dos Santos Betiolo, Francisco José do Nascimento, Gabriel Araújo Pares Freire, Glauco Rodrigo Kozerski, Leonardo Rosa Andrade, Mônica Chagas Cerqueira, e João Paulo Papaleo Moreira.
MONTEZUMA CRUZ
Com fotos Amazônia Atual e Secom-RO
Colaborou: Fábio Pontes, editor do jornal Varadouro em Rio Branco
www.expressaorondonia.com.br