RO, Sábado, 18 de maio de 2024, às 23:56



RO, Sábado, 18 de maio de 2024, às 23:56


“Do afogado o chapéu”! Refis ou Refaz, tanto faz; por Amadeu Machado*

Ao deixar de recolher o imposto, ele está se apropriando indebitamente do que não lhe pertence, por certo provocando dano ao erário

Amadeu Machado*

PORTO VELHO – Os contribuintes, pagadores de impostos, taxas e contribuições, eventualmente passam por alguma dificuldade financeira, ou, às vezes, dentro do cenário caótico que é o sistema tributário brasileiro, incorrem em algum equívoco e a mão pesada do fisco se abate sobre os mesmos. Um pequeno débito em aberto, quando fiscalizado e detectado, causa ao devedor uma repercussão extremamente danosa, pois que além da dívida a ela acrescem multa escorchante e juros obscenos.

Mas, está na lei.

Então, se havia alguma dificuldade para pagar apenas o tributo, com os acréscimos legais ele se torna impagável, sendo nefastas as consequências para o devedor, tanto pessoa física como jurídica.

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Inviabilizado o pagamento da dívida, lá se vai o contribuinte para inscrição em dívida ativa, protesto em cartório, inscrição nos sistemas de controle de devedores – SPC e/ou Serasa – e, finalmente, a execução fiscal que acaba por destruir a vida do contribuinte e do cidadão.

Se for pessoa jurídica fecham-se as portas do negócio, desemprego de colaboradores, menos dinheiro circulando e perda do patrimônio, por mínimo que seja.

Quando o estoque da dívida ativa está muito elevado e todas as vias de coerção ao pagamento foram esgotadas, aparecem as figuras dos Refis ou Refaz, que as fazendas públicas, federal, estaduais e municipais oferecem aos devedores, buscando receber pelo menos o principal corrigido daqueles créditos que estão supostamente perdidos.

Isto me lembra um velho amigo, destacado pioneiro dessa terra, Moacyr Motta, que diante de uma situação de impasse, sabendo que seu devedor não teria como pagar a conta em aberto, aceitava uma proposta, mesmo desvantajosa, para receber ao menos um pedaço do que lhe era devido.

Dizia ele, em magistral conselho: “Do afogado o chapéu”.

Pois bem, estes programas de recuperação de créditos tributários são trazidos ao público e neles são dispostas regras mais benignas aos contribuintes que não tiveram condições de quitar impostos ao tempo devido.

 

Na semana passada a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou projeto de lei, encaminhado pelo Poder Executivo, no qual está previsto que quem estiver com pendência tributária de ICMS com o Estado, até o ano de 2021, poderá se habilitar e receber benefício de sensível redução do encargo.

Assim, quem se dispuser a pagar à vista a dívida, obterá o favor fiscal de redução de 95% da multa e dos juros moratórios, praticamente pagando o principal, corrigido monetariamente e um percentual de verba honorária para os procuradores do Estado, acréscimo que bem poderia ser dispensado, eis que os bons subsídios dos procuradores públicos já são bancados pelos contribuintes.

Quem não puder pagar tudo de uma vez terá possibilidade de parcelar e quanto mais longo o parcelamento menor o percentual de redução em multa e juros.

Nos bastidores é comentado que este Refaz foi dirigido para beneficiar a concessionária do serviço de distribuição e comercialização de energia elétrica no Estado, a Energisa, cuja dívida de ICMS é bilionária.

Os cidadãos ficam a se perguntar que diabo de dívida astronômica é esta, haja vista que a Energisa foi a ganhadora do leilão de privatização da Ceron/Eletrobrás há pouco tempo.

Esclareça-se, então, que no referido leilão, a interessada em obter a concessão sagrou-se vencedora, oferecendo um valor mínimo para a União pelos ativos da extinta Ceron, mas assumindo todo passivo da antiga concessionária, no qual constava este expressivo débito com o Estado.

Ao assumir esta dívida a empresa não abriu mão de discutir a legalidade dos tributos lançados, importando em que, pelo volume de dinheiro envolvido, decorram demandas que poderão alcançar a última instância do judiciário.

Serão muitos anos de embates onde perpassam dúvidas sobre o êxito para qualquer das partes, seja o Estado, seja a concessionária

No entanto a situação em si, provoca acalorados debates, havendo um segmento que entende como uma benesse espúria que a fazenda estadual está oferecendo a tal contribuinte, uma vez que esta dívida foi incluída no preço de oferta para a obtenção da concessão e agora este débito é sensivelmente reduzido.

Os mais pragmáticos, no entanto, vislumbrando o tempo a ser demandado e alguma incerteza sobre a liquidez do crédito, consideram apropriada a oferta, porque, mesmo com a redução de elevado percentual em juros e multas, o valor a ser recebido pelo Estado é muito importante e expressivo.

Observou-se no contexto que os Municípios todos encamparam entusiasticamente a proposta governamental e a explicação é óbvia.

Está havendo queda de receitas na esfera federal e este fato repercute imediatamente com redução no repasse do FPM – Fundo de Participação dos Municípios – que é o carro chefe das receitas municipais na esmagadora maioria das municipalidades brasileiras.

Os prefeitos estão afogados em dúvidas e já em dívidas. Aproxima-se o final do ano e os encargos decorrentes, especialmente com folha de pagamento, atormentam os gestores, que são entes políticos e não querem ser tisnados pela pecha de maus administradores, que sequer pagam salários aos seus servidores.

Investimentos nem pensar.

Neste ponto, o Refaz é bem-vindo porque, no ICMS, os municípios, dentro de critérios legais, tem participação de 25%, e o dinheiro que ingressar agora no cofre do Estado será a tábua de salvação dos alcaides, quando da partição destes valores com os entes menores da federação.

Certamente que as vantagens do Refaz não são exclusivas de “A” ou “B”. Todos podem se habilitar e obter melhores condições para quitação dessas dívidas tributárias e, quem sabe, recuperar-se, reequilibrar-se e voltar à plena atividade, impulsionando a economia pois que haverá geração de empregos e circulação de dinheiro, tirando muita gente da pecaminosa informalidade.

Outra situação, contudo, me chama a atenção.

A fazenda estadual é detentora de outros créditos tributários e não tributários, estes decorrentes de ressarcimento de danos ao erário ou ao meio ambiente, por exemplo.

Pelos princípios constitucionais da impessoalidade e da igualdade perante a lei, o Refaz deveria contemplar estes entes, pessoas físicas ou jurídicas, posto que, numa análise bem simplória dos fatos, será consenso concluir que o não pagamento de impostos, especialmente o ICMS se constitui em dano ao erário, haja vista que este imposto é pago pelo consumidor, que é o contribuinte.

O comerciante, o prestador de serviço, agrega o tributo ao seu preço e deve repassar ao fisco nos prazos e condições estabelecidos em lei. Ele é um recebedor e repassador do tributo.

Ao deixar de recolher o imposto, ele está se apropriando indebitamente do que não lhe pertence, por certo provocando dano ao erário.

Quem estiver em débito com o Estado, por qualquer tipo de dano ao erário, deve ser contemplado com o mesmo tratamento.

Habilita-se este devedor no mesmo programa, a pagar o principal corrigido e tem garantido o direito à redução de eventuais multas e juros moratórios.

Isto se chama isonomia, equidade, situação para a qual não está havendo sensibilidade.

Pelo contrário, quando este tema é abordado afloram melindres e discurso eloquentes, buscando em vão contrapor os fatos, querendo-os e tratando-os como se diferentes fossem na essência.

É uma arrematada injustiça e uma ação segregacionista, que não mereceria sequer ser discutida, posto devesse ser algo impositivo, em obediência aos regramentos constitucionais, legais, jurisprudenciais e ao total amparo dos princípios gerais de direito.

É tema para ser debatido constitucional e republicanamente tendo como vetor de partida o que dispõe o Artigo 5º da Constituição Federal, no capítulo que versa sobre DIREITOS FUNDAMENTAIS, que tem a redação extremamente clara:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes…

Não há muito que pensar ou discutir, lembrando que, quando ocorre este tipo de omissão das partes envolvidas no processo legislativo, é possível a correção mediante decisão judicial, devidamente provocada, sem que isto possa ser tido como ativismo judicial, vez que há uma norma a ser aplicada e que, por desinteresse do legislador, ou do proponente do projeto de lei, foi postergado um direito maior, capaz de dar amplitude e tratamento igualitário a quem esteja em situação idêntica.

*É advogado, ex-juiz eleitoral e conselheiro aposentado do TCE-RO






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