RO, Domingo, 19 de maio de 2024, às 1:10



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Debate silencia o cadastro ambiental rural

MONTEZUMA CRUZ

Um ano atrás, a BBC Brasil quis saber a quantas andava a aceitação de ajuda financeira externa para a regularização do cadastro ambiental rural (CAR) em propriedades agropecuárias no Estado de Rondônia. A situação havia ficado delicada após a guerra declarada do presidente Jair Bolsonaro a organizações não-governamentais.

Quando veio a indagação eu trabalhava na Superintendência Estadual de Comunicação Social do Estado (Secom) e fui escalado para ouvir o secretário-adjunto do desenvolvimento ambiental, coronel bombeiro Demargli da Costa Farias. “Sem dúvida, aceitamos sim”, resumia-me sem pestanejar o secretário.

Num cuidado incomum, popularmente conhecido por “cheio de dedos”, investigaram o assunto e colocaram as mãos na cabeça: “Nossa, quem está por trás disso é um banco de fomento, e estrangeiro!” – alguém sussurrou como se visse satanás em pessoa.

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Ocorre que o KfW Bankengruppe (Grupo de bancos KfW) não é uma simples ONG, mas um dos bancos de fomento líderes e mais experientes do mundo. Aqui ancorou durante o governo Confúcio Moura, comprometido com a melhoria sustentável das condições de vida nos âmbitos econômico, social e ambiental.

Esse banco de desenvolvimento estatal com sede em Frankfurt (Alemanha) formou-se após a Segunda Guerra Mundial, como parte do Plano Marshall. A partir de 2018, é o terceiro maior banco da Alemanha em balanço. O dinheiro repassado ao governo para mover o CAR serve, por exemplo, para contratar mais técnicos necessários às vistorias.

O CAR faz o registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, possibilitando a integração de informações ambientais referentes à situação das áreas de preservação permanente (APPs), áreas de reserva legal, florestas e remanescentes de vegetação nativa, áreas de uso restrito (pantanais e planícies pantaneiras) e áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do País.

Análises de cadastros começaram a partir de 2016 no modo analógico, e em 2017 via sistema, com o funcionamento do módulo de análise. Essas ferramentas proporcionaram um avanço em relação ao procedimento anteriormente realizado, mas ainda não foram suficientes. Pouco mais de 20 mil passaram por procedimento de análise. Faltam analistas: a mais recente contratação contemplou 25 técnicos. Poucos.

Contrariando discretamente os arroubos do presidente da República, o governo estadual tinha informações dando conta que o KfW não é um banco qualquer, nem faz proselitismo amazônico.

Na ocasião, o coronel Demargli confirmava-me que a educação ambiental crescia em Rondônia a partir do envolvimento de escolas autorizadas pela Secretaria Estadual de Educação. O projeto que fortalecia o setor fora concebido no âmbito da Coordenadoria de Unidades de Conservação, com o entusiasmo do seu titular Fábio França.

Graças às suas sucessivas viagens ao interior, o Ministério Público Estadual, o Batalhão de Polícia Ambiental e as escolas foram às ruas contra queimadas, pela preservação de florestas, clamando pelo equilíbrio na qualidade de vida da população.

Não havia uma só razão para Rondônia deixar de aceitar a ajuda alemã, embora a pandemia tenha atrasado a proposta de ampliar o quadro de técnicos para a visitação às milhares de propriedades rurais do estado.

O governo considerava bem-vindas as colaborações internacionais, porque sabia que elas auxiliam, na prática, diversas ações de proteção ambiental. Desta maneira, a ocultação do assunto no auge da campanha eleitoral causa estranheza: com ou sem Bolsonaro lhe declarando apoio oficial, o governador Marcos Rocha não deveria se intimidar ou aquietar-se por ter pego o bonde andando na encruzilhada ambiental rondoniense. Deixaria, assim, de caminhar sob o tacão pitbul e inconsequente de um presidente que pouco sabe da Amazônia Brasileira, a não ser que ela existe.

Não foi de graça que o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, reuniu-se duas vezes com ele, a portas fechadas no Palácio Rio Madeira. De Amazônia, Mourão conhece conquistas e mazelas.

Ainda impactados pelos incêndios florestais que colocaram Rondônia nas manchetes mundiais, antes da chegada da covid-19 por aqui, os secretários Marcílio Lopes (titular) e Demargli Farias (adjunto) sabiam que a consciência preservacionista quanto à possibilidade de incêndios florestais e queimadas rurais e urbanas é uma das molas propulsoras do desenvolvimento do estado que tem apenas quatro décadas de criação, porém, ainda pode dar exemplos ao Brasil e ao mundo.

Após o período pandêmico, a conjugação entre a prevenção e a educação ambiental trouxe para a mesa as gerências do Sistema de Proteção da Amazônia, o Exército Brasileiro, entre outros órgãos.

Felizmente, apesar do discurso obscuro do presidente da República, ainda em 2021 foi possível ver de novo a “parceria de fé” e a ressurreição parcial dos ex-alijados parceiros da Sedam: ICMBio, Ibama, Exército Brasileiro e Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia.

Seja qual for o próximo presidente da República, é preciso rever situações e se debruçar sobre o Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra, segundo o qual, existem mais de 6 milhões de imóveis declarados ocupando em torno de 600 milhões de hectares.

O Ministério Público Federal verificou que a maioria dos imóveis considerados (89%) e aproximadamente metade da área (46%) vêm de registros autodeclarados no CAR, que não permite qualquer conclusão a respeito da situação fundiária formal. Há também lacunas, “uma vez que 17% do território nacional não conta com qualquer registro nas bases fundiárias oficiais”.

Daí, a enorme quantidade expressiva de sobreposições com áreas indígenas e quilombolas, além de unidades de conservação. Esse imbróglio prossegue nesta parte da Amazônia Ocidental Brasileira. Hamilton Mourão sabe, o STF sabe, a Procuradoria da União sabe, o MPF e o MPRO sabem, então, o próximo governador já deve ir acordando para o enorme desafio que já se apresenta.

No CAR são analisadas informações geoespaciais dos itens de localização do imóvel rural, cobertura do solo, servidão administrativa, Área de Preservação Permanente (APP), uso restrito e reserva legal. Seus pareceres técnicos são acompanhados de carta imagem.

Um dado positivo: seis anos atrás, a região Norte foi campeã em cadastros: 82% do território já estava no sistema. Em segundo lugar estava a região Sudeste com 63% e em terceiro o Centro-Oeste com 62,5%. Bem mais abaixo, com apenas 35,5% da área cadastrada, vinha o Nordeste e, por último, o Sul, com 31,5%.

SAIBA MAIS

∎ Desde 2002 o Programa ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia apoia a região. É a maior iniciativa de proteção de florestas tropicais do mundo.

∎  Lançado pelo Governo do Brasil e coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, desde o início tem o Funbio como gestor e executor financeiro. É financiado com recursos de doadores internacionais e nacionais, entre eles o governo da Alemanha por meio do Banco de Desenvolvimento da Alemanha (KfW), o Global Environment Facility (GEF), via Banco Mundial, a Fundação Gordon and Betty Moore, a AngloAmerican e o WWF.

∎ A principal meta do Programa ARPA: apoiar, até 2039, a conservação e o uso sustentável de 60 milhões de hectares, o equivalente a 15% da Amazônia Brasileira.






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