RO, Sábado, 21 de junho de 2025, às 16:19







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Corte de gastos: o que realmente pode fazer diferença na crise fiscal?

Se o governo federal continuar adotando a mesma postura que tem hoje para o orçamento, a expectativa é de que a dívida pública estoure nos próximos anos.

A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – que compreende o Executivo Federal, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os governos estaduais e municipais – atingiu o equivalente a 76,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, ou R$ 9,2 trilhões, em abril de 2025, alta de 0,3 ponto percentual do PIB em relação a março.

A expectativa do governo Lula, apresentada em abril no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026, é de que a DBGG feche esse ano em 78,5%, atinja um pico de 84,2% em 2028 e, então, passe a cair.

Trajetória da dívida pública

Previsão do PLDO é visto como otimista por economistas

Porém, economistas veem essa estimativa como pouco realista. A Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), por exemplo, vê a DBGG em 81,4% do PIB em 2025 e chegando a 95,3% em 2028. A partir de 2030, o cálculo indica que ela deve superar 100%.

Para conter o crescimento da dívida, o governo precisa primeiro equilibrar seus gastos e receitas. E para fazê-la recuar, deve atingir o superávit primário – ou seja, gastar menos do que arrecada.

O que se argumenta é que a gestão das contas públicas não está sendo eficaz o suficiente para colher o resultado positivo e fazer com que ele seja consistente. Economistas ouvidos pela CNN indicam quais caminhos poderiam levar ao alívio fiscal.

Controle das despesas obrigatórias

“Inevitavelmente, para ter o alívio fiscal precisa ter o controle dos gastos obrigatórios. Por isso o governo não chega em nenhum lugar de ajuste fiscal definitivo”, observa José Ronaldo de Castro Souza Jr., economista-chefe da Leme Consultores e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

As despesas obrigatórias são aquelas ligadas a benefícios sociais, salários públicos e gastos cujas regras são definidas pela Constituição, como os da educação e da saúde.

Hoje, elas ocupam pouco mais de 90% do todo dos gastos previstos no orçamento federal. A partir de 2029, segundo projeção do próprio governo, os gastos obrigatórios serão tecnicamente a totalidade.

Trajetória da dívida pública

Previsão do PLDO é visto como otimista por economistas

A previsão é essa pois essas despesas crescem num ritmo mais elevado do que o permitido para os gastos completos do governo, que seguem a regra do novo marco fiscal – estabelecido pelo próprio governo Lula para ditar as contas públicas.

A nova regra, que substituiu o teto de gastos, limita o crescimento da despesa a 70% da variação da receita do ano anterior.

“O PLDO 2026 não apresenta medidas adicionais relevantes de ajuste fiscal para conter o crescimento das despesas obrigatórias, ampliar receitas ou rever alocações rígidas. Essa opção, combinada com a deterioração dos indicadores fiscais, sinaliza o comprometimento da sustentabilidade do novo arcabouço fiscal. As projeções de estabilização da dívida não nos parecem plausíveis”, avaliou, em maio, a IFI após a apresentação do PLDO.

Ao diminuir a despesa obrigatória, os economistas ouvidos pela CNN ressaltam que o governo flexibilizaria o orçamento e abriria espaço para investimentos. Para repensá-las, sugerem:
  • Realizar uma nova reforma da previdência: hoje, os benefícios previdenciários representam 46,8% dos gastos obrigatórios, sendo o único grupo que ultrapassa R$ 1 trilhão, e a tendência é que essa despesa continue crescendo devido o envelhecimento da população;
  • Rever os gastos mínimos constitucionais com saúde e educação: vinculados ao crescimento da receita, pressionam o limite do arcabouço fiscal. Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), reconhece a delicadeza que o assunto tem, sobretudo para a população, mas avalia que o debate poderia ser conduzido com “um discurso muito transparente para assegurar que isso garantiria aumento dos investimentos” no país;
  • Repensar o cálculo do salário mínimo: hoje, o salário mínimo tem ganho real – acima da inflação – ligado ao crescimento do PIB. José Ronaldo sugere que haja um congelamento no crescimento real do mínimo, corrigindo-o apenas pela inflação. Outro apontamento é:
    Desindexar benefícios do valor do mínimo: com uma série de pagamentos cujos valores funcionam numa lógica de equivalência ao salário mínimo, cada R$ 1 de aumento no piso salarial gera impacto de R$ 400 milhões nas contas públicas, segundo estimativa da Warren Investimentos;
  • Controlar o crescimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Ademais, como uma adequação regulatória, Oliveira propõe que seja realizada uma malha fina no Cadastro Único (CadÚnico) – o registro do governo federal para pessoas em situação de vulnerabilidade e utilizado para atribuir benefícios -, não com o intuito de cortar os programas sociais, mas em fazer que eles sejam pagos a quem realmente precisa.

Um dos exemplos que o sócio da GO destaca é o Benefício de Prestação Continuada (BPC): – auxílio dedicado a idosos e pessoas com deficiência cuja renda familiar seja de um quarto do salário mínimo por membro da família – em 31 meses seguidos de ampliação, o número de beneficiários saltou 33% e 1,6 milhão de pessoas foram adicionadas ao programa.

“É delicado para ano eleitoral, mas é necessário um pente-fino no Benefício de Prestação Continuada, não é possível que tenha aumentado tanto”, pondera o economista.

Revisão de subsídios

Oliveira ressalta dados que indicam que houve uma renúncia da ordem de R$ 580 bilhões em 2024, resultado que deve vir nessa linha este ano.

José Ronaldo endossa a revisão, tendo em vista que muitos destes benefícios fiscais podem já não fazer sentido. “Há um desequilíbrio de longo prazo e não tem sido discutido nenhuma medida para conter”, afirma o economista-chefe da Leme.

Gesner Oliveira defende que “uma revisão rigorosa dos subsídios é necessária”, mas reconhece nesse ponto, também, a delicadeza política do assunto, devido a força dos setores que se beneficiam destes regimes. “É preciso muita coragem, você tem que cortar alguma coisa e manter outras.”

Reforma administrativa

Outro ponto levantado é a necessidade por uma reforma administrativa do setor público. Nas palavras do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a ideia é modernizar, “transformar a administração pública e alcançar altos índices de produtividade, oferecendo serviços de qualidade aos cidadãos a um custo mais baixo”.

As alterações valeriam para todos os entes da Federação – União, estados, Distrito Federal e municípios – e servidores dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), organizou um grupo de trabalho para debater a reforma. Ao GT, Motta também atribuiu a função de propor uma solução de ajuste fiscal.

“A reforma administrativa não tem um resultado no curto prazo, mas tem um efeito de expectativa interessante no médio prazo. Olhando as projeções de despesa e receita do governo nos próximos 5 ou 10 anos pode melhorar”, pontua Oliveira.

Nova regra fiscal

Os economistas reconhecem, porém, que a medida que se aproxima o ano eleitoral mais difícil fica de se discutir medidas delicadas como estas.

Considerando a evolução das despesas e o desgaste do novo arcabouço fiscal, eles avaliam que, para a próxima gestão, será necessário propor uma outra nova regra.

“Vamos precisar de uma nova regra fiscal e mudanças estruturais, um ‘pacotaço’ fiscal com a legitimidade de um governo começando. Ou você faz isso, ou você morre”, enfatiza o professor da FGV.

“O que seria bacana, e já foi sugerido, é já preparar um programa, junto a uma coalizão para o próximo governo para implementá-lo. Uma nova PEC da transição, mas para o bem”, conclui.

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Fonte: CNN Brasil
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