LÚCIO FLÁVIO PINTO

Navegando ao sabor do vento (sem lenço, sem documento) pela internet, fui parar no Sebo do Messias, a grande livraria de São Paulo, que frequento há muitos anos. Deparei com uma novidade: um exemplar da revista Geografia e Planejamento, que editou em 1973 uma série de reportagens que escrevi para o jornal O Estado de S. Paulo. O único exemplar disponível no sebo foi vendido.

Bateu uma sensação de melancolia simbolista e as lembranças de um tempo cada vez mais longínquo. E a vontade de reproduzir um texto que reproduzo a seguir.
O contínuo colocou sobre a minha mesa um pacote, hermeticamente fechado.

Ao abri-lo, deparei com uma edição especial do boletim Geografia e Planejamento, do Instituto de Geografia da USP. Acompanhando os 10 exemplares da publicação, um bilhete do professor Aziz Ab’Saber.

Ele decidira, à minha revelia, transcrever a série de matérias sobre a rodovia Perimetral Norte, que eu escrevera para O Estado de S. Paulo, em cuja sede paulistana eu me encontrava nesse ano, de 1973. Palavras generosas do grande geógrafo justificavam, no entendimento dele, a iniciativa.

A partir daí nos tornamos amigos. De vez em quando nos encontrávamos em debates sobre a Amazônia. Um deles, em Barcelona, na Espanha, nos permitiu convivência de toda uma semana maravilhosa.

Ainda sinto saudade desses contatos. O sábio Ab’Saber morreu em 2012, aos 87 anos, em São Paulo, onde nasceu. Glória da cultura brasileira, um dos cientistas que mais profundamente conheceu a Amazônia.

Como o jornalismo empolgava !

MONTEZUMA CRUZ

Glorioso geógrafo Ab’Saber. Homem atencioso a crianças e adultos. Assim o vi em Santo Antonio do Leverger (MT) em 1989 abrindo a mente de ribeirinhos e universitários para a Geografia Humana deste País.

Ali no salão de uma escola simples, ele ensinava como salvar mananciais, alertando a todos para os efeitos nocivos da poluição que ameaçava o Rio Cuiabá.

Esse caderno na USP traz à memória, ou dela liberta, o período em que era bom o conteúdo de suas reportagens no Estadão inigualável dos anos 1970.

Cadernos da USP, do JB, Suplemento Literário do Estadão, caderno Ideias, do JB, fascículos da Balaiada em sua recente produção, entre outros, mexem realmente com o emocional de todos os leitores que usufruíram de tão prestigiosas publicações.

Meu sonho de consumo seria vê-las, ao menos uma parte, reimpressas e disponíveis em bibliotecas brasileiras. Infelizmente, o empobrecido MEC dos ávidos pastores mercadores do Templo talvez desconheça Ab’Saber, a Perimetral Norte e Lúcio Flávio Pinto.

E nessa hecatombe histórica e cultural uma vez mais esbofeteia conteúdos prontos e disponíveis para melhorar o conhecimento geral (incluindo o Enem) a respeito da Amazônia, sua botânica, estradas e ramais, madeira nobre, metais e minerais, plantas medicinais, e todos os ecossitemas em suas enormes extensões brasileiras, colombianas, bolivianas, equatorianas, guianas e peruanas.

A USP, cujo Instituto de Ciências Biológicas tem sua extensão n° 5 funcionando há mais de 30 anos em Monte Negro (RO) também poderia, num gesto de amor e bondade, copiar originais desses cadernos, enviando-os às bibliotecas públicas amazônicas. E logo, porque os governos estaduais, com raríssimas exceções, têm cultura da pulga.

Sua frustração no sebo paulistano seria, então, apenas um componente na memória. E você se alegraria com a retomada da dignidade no ensino médio brasileiro. Você e tantos outros mais.

Que bom a gente se deparar com cadernos e fascículos! Como o jornalismo empolgava!

 

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