RO, Sexta-feira, 26 de abril de 2024, às 4:17



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Com vontade política, reabertura da BR-319 pode disseminar ilhas de desenvolvimento sustentável às comunidades ao seu entorno

Lúcio Flávio Pinto* – Foto de Francisco Ucha

PORTO VELHO – As estradas de integração física ao restante do país têm sido o fato mais traumático na história da Amazônia contemporânea. Elas avançam sobre as áreas mais altas da região de súbito, trazendo consigo alguns dos fluxos migratórios mais intensos da história brasileira. Não há uma preparação para um contato mais harmonioso e mais bem informado do pioneiro à própria região, à sua história e à população nativa, antes, em geral, isolada nesses espaços distantes do curso dos rios, até então (a década de 1950) a única via de acesso da sociedade nacional àquela que é uma das maiores e mais ricas fronteiras de recursos naturais do planeta.

O impacto de grandes estradas, como as primeiras do ciclo de ocupação massiva e compulsória do vasto território da última (e maior) região do País, como a Brasília-Acre, a Belém-Brasília e a Transamazônica, tem sido igual: tensão social, conflito de terras, violência, assassinatos, massacres de índios, destruição da floresta, desigualdade social, concentração da propriedade rural, formação de imóveis do tipo plantation – o fechamento da fronteira por dentro, impedindo que a ela todos os imigrantes tenham acesso, sobretudo pelo único meio de que dispõem: o seu trabalho.

O crescimento econômico da Amazônia, principalmente pela conexão a mercados internacionais, supera o do próprio país. Mas o custo social desse crescimento, numa contabilidade apropriada, supera os benefícios. As estradas-tronco têm sido o instrumento maior desse efeito negativo. Cientes desse fato, instituições públicas e privadas têm tentado estabelecer modos de abertura e ocupação de estradas menos agressivos e desorganizadores.

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A maior e mais recente tentativa empreendida (mais uma vez, com a intermediação do Banco Mundial) com o objetivo de possibilitar um efeito mais racional das estradas aconteceu na BR-163, a Santarém-Cuiabá, com seus 1.500 quilômetros de Mato Grosso ao Pará. O resultado, contudo, foi mais do que igual: foi pior do que o das rodovias anteriores.

Queimadas, desmatamentos, atividades econômicas ilegais, violência, tensão e conflito se multiplicaram e foram além de qualquer controle estatal, inclusive porque para o principal agente desse processo, o governo federal (de Jair Bolsonaro), esse era um fim buscado.

Agora, paralelamente a um uso intensivo do rio Madeira, o maior afluente do Amazonas, está em causa a mesma questão: consolidar ou não a última rodovia do conjunto aberto durante a ditadura militar, sob o impulso da doutrina de segurança nacional.

É uma oportunidade para discutir questões até hoje não resolvidas, ou mesmo sequer formuladas, com as experiências acumuladas e o conhecimento aprofundado ao longo do tempo. Que levam à pergunta essencial: pode-se mudar o efeito ruim das grandes estradas sobre as áreas novas da Amazônia, ou a sua natureza é como o ovo da serpente?

Independentemente dessa resposta, qual a melhor maneira de proceder se a BR-319, a Manaus-Porto Velho, por já existir há mais de 40 anos, é um fato consumado?

BR-319, recuperar ou entregar aos depredadores da Amazônia do Futuro?

Para estimular esse debate, reproduzo os trechos mais relevantes de um artigo publicado pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas. Estranhamente, o artigo não considera a necessidade de incluir na sua análise o papel da hidrovia do Madeira, que acompanha a BR.

BR-319, recuperar ou entregar aos depredadores da Amazônia do Futuro?

A mais recente recomendação do Ministério Público Federal – neste imbróglio que poderá estender-se à eternidade – feita ao Ibama é que suspenda todas as medidas administrativas e executivas em andamento relacionados a BR-319. A suspensão específica é para chamado Trecho do Meio, (situado entre o Km 250 e o Km 655,7).

A recomendação se estendeu ao DNIT, PPI, FUNAI, ICMBio, IPAMM e SEMA, ou seja, os órgãos federais e estaduais envolvidos. A medida se manterá até que seja realizada consulta prévia, livre e comunicada a todos os povos indígenas e grupos tradicionais, potencialmente impactados pela recuperação da Rodovia e sua área de influência, o que implica uma considerável aglomeração humana.

O termo de referência desta mega-reunião é a Convenção OIT 169, um documento assinado pelo Brasil e que prioriza, em linhas gerais, o resguardo do interesse maior da coletividade. Um detalhamento sociológico da ética aplicada à Amazônia. Até aí, todos concordamos na medida em que a Lei Maior do país contém, em minúcias, as mesmas preocupações e princípios.

Para a sociedade como um todo e para o setor produtivo a Rodovia BR-319 é fundamental. Aguardamos há mais quatro décadas o encerramento dos trabalhos de conclusão e manutenção desta única conexão rodoviária com o resto do país, conhecida como Rodovia Manaus-Porto Velho. Somos um estado, juntamente com Roraima, segregados da conexão com os demais entes federados. Isso é injusto, nocivo e ilegal.

Quais são as premissas dessa discussão sobre vetar ou autorizar a recuperação da rodovia BR-319? A preservação ambiental, vamos deixar claro, é diferente, radicalmente, da gestão socioambiental que prioriza o fator humano. O Bioma Amazônia não é um fim em si mesmo. Sua importância e necessidade está intrinsecamente relacionada com o parâmetro humano e socioambiental com ênfase na mudança climática.

1. O argumento da proteção florestal para vetar essa recuperação perde o seu objeto na medida em que madeireiros ilegais, garimpeiros e grileiros atuam livremente, e criminosamente, inclusive em terras indígenas e áreas de proteção ambiental federal. Ou seja, deixar como está significa assegurar a depredação e dificultar o comando e controle da fiscalização e proteção deste patrimônio natural.

2. Se o argumento é socioambiental, ou seja, prioriza o interesse humano, a cena muda de configuração. As comunidades do traçado, remanescentes dos projetos agrícolas de colonização mal planejados dos anos 70, mais as populações originais, os indígenas, passariam a integrar o conjunto de atores da proteção socioambiental, sob a gestão do poder público. E todos terão na recuperação dessa infraestrutura de transporte, condições de vigilância e assistência socioeconômica prevista em Lei e fomento para atividades econômicas sustentáveis.

3. Ou existiria algum outro modo de proteção dos parâmetros naturais que não seja atribui-lhes uma finalidade socioeconômica? No mundo inteiro é assim. E é assim que, atualmente, funciona a proteção florestal da Amazônia ao longo do traçado da BR-174: o poder público fornece suporte institucional e material para as populações Waimiri-Atroari e esses grupos étnicos assumem a vigilância permanente da rodovia. Não há notícia de grilagem, queimadas ou desmatamento.

4. Ora, se os Indígenas conseguem, há mais de 30 anos, por que grupos étnicos similares no traçado da Rodovia, mais o poder público e a colaboração do setor privado, não iriam assegurar a vigilância devida ao longo da BR-319?

Do ponto de vista moral, somos obrigados a recordar que é irresponsável e desumano deixar as populações tradicionais da região entregues tanto tempo à própria sorte, especialmente em épocas de chuva em que a não recuperação transforma a rodovia no maior lamaçal do mundo. Finalmente, é necessário anotar que a indústria repassa R$1,3 bilhão por ano para o governo estadual com duas obrigações previstas em Lei. Fundo de Turismo e Interiorização do Desenvolvimento e Fundo de Fomento para Micro e Pequenas Empresas do Amazonas e que parte desse recurso poderia, perfeitamente, ser aplicado para estimular o empreendedorismo na região.

Afinal, o futuro da Amazônia depende da disseminação de ilhas de Desenvolvimento sustentável para as comunidades ribeirinhas, indígenas, como tem insistido e promovido a Suframa com seus programas prioritários de Bioeconomia Tecnologia da Informação e Comunicação.

Além de uma conversa transparente e objetiva, com prioridade e foco na sustentabilidade e benefício social, teríamos recursos a aplicar. E a boa notícia é que temos uma dose generosa de sugestões que as entidades da indústria, especialistas locais e nacionais em economia e desenvolvimento regional, com suporte acadêmico da Fundação Getúlio Vargas, estão chamando de Amazônia do Futuro.
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LÚCIO FLÁVIO PINTO
Jornalista

ALFREDO LOPES
Editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora

WILSON PÉRICO
Economista, empresário, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas






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