RO, Terça-feira, 21 de maio de 2024, às 15:09



RO, Terça-feira, 21 de maio de 2024, às 15:09


As andanças de um bandeirante na “Terra de Rondon”; a história relatada por quem estava lá

Lúcio Albuquerque

PORTO VELHO – Desde que comecei a produzir a coluna “Dia na História” algumas pessoas, quando entendem que há algo fora do lugar oferecem sugestões para melhorar, o que, em meu entendimento, amplia mais ainda o material que público, o que ganha importância maior, em meu entendimento, e de muitos que a recebem, por ser uma espécie de mergulho em nossa História, para o que muitas fontes foram buscadas numa autêntica caçada por fatos, personagens e datas de ocorridos “na Terra de Rondon”.

Mas, sem qualquer dúvida, meu leitor com mais, e bota “mais” nisso, “lupa afiada”, sempre corrigindo ou oferecendo fatos que eu, até por falta de referências bibliográficas sobre a nossa História nos últimos 50 anos, desconhecia, é o agrônomo Assis Canuto, um dos responsáveis pelo que chamam de “única reforma agrária que deu certo no Brasil”, que foi a ocupação do solo rondoniense no período 1970/1990, quando ele, sob coordenação do capitão Sílvio Gonçalves de Faria e com um grupo de jovens recém-formados, participaram do processo que deu forma e força para que Rondônia alcançasse o estágio atual, com fortes perspectivas para ir muito mais adiante.

Assis Canuto: personagem com muita participação na história do Incra e do Estado

A seguir os “pitacos” de Canuto, ex-executor do Incra, ex-prefeito de Ji-Paraná, ex-deputado federal (1983/1990, inclusive constituinte em 1988), ex-vice-governador (1991/94). Os fatos não estão ordenados cronologicamente. Quando ele fez meio século em Rondônia, ano passado, até que me candidatei a escrever uma reportagem especial, mas não sei a razão pela qual não fiz. Daí preferi juntar os “pitacos” num apanhado, sem ordem cronológica, narrado em capítulos. Boa leitura.

- Advertisement -



CANUTO POR ELE MESMO

Ouro Preto do Oeste, sede do primeiro projeto do Incra em Rondônia, a partir de 1969

Nasci e me criei na zona rural de Itumbiara Goiás, filho de pequenos agricultores (minha mãe também trabalhava na roça nas horas vagas). Comecei a ajudar meus pais com cinco anos de idade, fiz o primário na zona rural e andava cinco quilômetros a pé para ir e cinco para voltar de uma escolinha rural muito pobre e muito humilde. Fiz o secundário em Itumbiara, o colegial em Ribeirão Preto e engenharia Agronômica na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ( ESALQ) da USP em Piracicaba ( SP) e pós graduação na Universidade de Jerusalém. Comecei minha vida profissional no IBRA e depois INCRA em 1968. Trabalhava no Rio de Janeiro e vim para Rondônia em 1970. O Adhemar Sales foi o primeiro colaborador que contratei para trabalhar comigo no começo do Pic Ouro Preto. O Paulinho Brandão veio um ano depois do Rio ficando comigo em Ouro Preto, e quando iniciamos o PIC Paulo de Assis Ribeiro, encarreguei (o Paulinho) de ir para Vilhena para dar prosseguimento aquele PIC. Quando assumi coordenação de outros projetos o Adhemar foi meu substituto em Ouro Preto. O Capitão Silvio foi o responsável pela organização fundiária (o ideólogo de tudo isso) e eu fui o responsável pela colonização. Sempre houve um respeito mútuo entre nós e eu o admirava muito e considero como a autoridade mais importante na história de Rondônia.

Desde 1970 em Rondônia, fui executor do Incra para os Projetos de Colonização, iniciando pelo PIC Ouro Preto, depois PIC Gy-Paraná – originou Cacoal e Rolim de Moura), depois PIC Paulo de Assis Ribeiro (deu origem a Colorado, Cabixis e Cerejeiras, depois PIC Padre Adolpho Rholl (deu origem a Jaru, Theobroma e Jorge Teixeira), depois Projetos de Assentamentos Dirigidos Mal Dutra e Burareiro (que deram origem a Nova Ariquemes, Cacaulandia, Rio Crespo, Alto Paraiso e Monte Negro). Fui o primeiro coordenador do Incra para o Acre e Rondônia.

AEROPORTO BELMONT

Com relação ao aeroporto Belmont gostaria de fazer uma observação. Cheguei a Porto Velho no dia 4 de fevereiro de 1970, em um voo da Paraense, e pousamos no aeroporto do Caiari. Portanto, o Belmont só funcionou a partir da década de 70 e não no final da década de 60. (O site da Infraero registra a inauguração em abril de 1969)

PORTO VELHO HOTEL

Quando cheguei em Rondônia em 1970, morei no Porto Velho Hotel (depois Unir-Centro) antes de começar o PIC Ouro Preto. Muito espaçoso, mas era mal conservado, muitos ratos e baratas faziam a festa e, apesar disso, era agradável e frequentado pela “elite” de PVH no restaurante e/ou na boate administrada pela Dona Joá, cuja atração principal eram as “ musas” Kikó, Naza e a Joanilce, filha da dona Joa’.

POLÍTICA

Minha participação política começou em 1978, quando o Território pela única vez ia escolher dois deputados federais. Eram dois partidos, a Arena da qual eu participava e o PMDB, e cada um podia indicar quatro candidatos. Fizemos uma chapa: eu, o Dr. Rachid (Jaudi) e o Dr. Rochilmer (Rocha), mais o Odacir (Soares), que era presidente regional da sigla e preferiu ver aprovada na convenção outra, a que teve ele mesmo, o vereador João Bento, o Professor Teixeira e o advogado Isaac Newton. Em 1979, o governador Jorge Teixeira convidou para eu ser prefeito de Ji-Paraná e disse que se não aceitasse ele traria alguém de Manaus. Aceitei e fiquei até 1982, quando decidi ser candidato a deputado federal.

Fui eleito, e reeleito em 1986, participando da Constituinte de 1988, sendo coautor do  dispositivo de aposentadoria de Seringueiros e Soldados da Borracha. Depois fui vice-governador do Estado (1991/94), e vice-prefeito de Ji-Paraná. Também fui secretário de Agricultura, secretário-chefe da Casa Civil

RACHID

(O comentário a seguir foi feito em inserção na coluna “Dia na História” sobre o médico Leônidas Rachid Jaudi). Canuto: Considero o doutor Rachid um personagem da maior importância na nossa História, e sempre considerei que este ilustre cidadão, também uma  grande figura humana não recebeu de Rondônia e de seu povo as honrarias que merece.Conheci o Dr Rachid em 1970 e convivi com ele até 1986, quando ele não conseguiu a reeleição para Deputado Federal e Constituinte, o que foi lastimável. Elegeram a Raquel Cândido em seu lugar, sem dúvida, um grande equívoco dos eleitores de Porto Velho.

O doutor Rachid não vivia só de política, pelo contrário, foi um dos cidadãos que mais prestou serviços na área da saúde e da assistência social ao nosso povo. Veio para Rondônia trabalhar na abertura da BR-29, atual Br-364 e até 1986 ele deu assistência médica e social a milhares de pessoas, e geralmente as mais humildes. Uma de suas especialidades era a ginecologia e “colocou no mundo” mais de 15 mil crianças, dando assistência, muitas vezes e quase sempre sem cobrar nada, a mais de 30 000 mulheres.

O doutor Rachid possuía um “barracão“ bem simples onde fornecia “sopas” e medicamentos de graça para quem lá se apresentasse; não discriminava ninguém e atendia todos com muito boa vontade, muita paciência e muito respeito! Várias vezes tirava dinheiro do próprio bolso para ajudar os mais necessitados.

Como prefeito de Ji-Paraná, Canuto ciceroneia o presidente João Figueiredo e o governador Jorge Teixeira

Estou escrevendo isso porque fui testemunho de suas ações e de seu comportamento. Mas esses denodados homens públicos e pioneiros de nosso Estado, quase sempre nunca foram reconhecidos e homenageados à altura de seus merecimentos. Me desculpem a sinceridade, mas a própria imprensa não fez a sua parte. Muitas vezes valorizam “ídolos de barro” e relegam os verdadeiros artífices da história a segundo plano. Então, em homenagem às crianças que o Dr. Rachid trouxe ao mundo, faço esse reconhecimento público a esse grande cidadão e grande brasileiro a quem Rondônia muito deve.

CEREJEIRAS

Quando implantamos o PIC Paulo de Assis Ribeiro, em 1973, onde hoje está a cidade de Cerejeiras era “ mata pura”. Existia nas proximidades, às margens do Rio Escondido uma sede do seringal escondido de Antônio Cesário Ascar, vulgo “Canguru”. Eram só alguns tapiris de paxiúba-barriguda, cobertos de palhas de coqueiro, mas os habitantes locais, uns poucos seringueiros, não usavam o nome Cerejeiras.

GAHYVA

O governador Theodorico Gahiva teve um mandato muito curto. Logo no início abriu uma “ querela” com o Incra e passou a maquinar para tirar o Capitão Silvio da chefia em PVH, mas foi infeliz e se desgastou. Chegou ir ao presidente da República, General Médici. Conclusão: o Silvio ficou e ele foi substituído pelo Marques Henrique em segunda passagem no Governo.

Mas teve um episódio folclórico com o Gahiva, na primeira e única vez que ele foi a Vila Rondônia. Ao descer do avião e todo “ engomadinho” como gostava de se vestir, caiu na lama e sujou toda a frente da roupa. Fui conseguir uma camisa limpa e ele permaneceu com a calça suja, durante rápida cerimônia no hospital Nossa Senhora Aparecida, do Padre Adolpho Rholl, administrado à época pelo padre Bernardo. Nunca mais o Gahiva voltou a vila.

PRESIDENTE MÉDICI

Sobre a escola XV de Novembro, em Presidente Médici, onde o senhor Noé (Inácio dos Santos, depois vereador em Porto Velho entre 1977 e 1983) comandou a invasão do seringal Leitão ou “dos Patos”, explorado pelo Sr José Milton Rios. O INCRA o desapropriou e realizou o assentamento de 400 famílias naquela área. A escola XV de Novembro foi construída nas terras do sr. José Milton Rios e não do sr. Noé.

Lembro que antes de ser denominada “Presidente Médici” o local foi denominado “Cascalheira”, que era onde o pessoal do BEC, em Vila Rondônia, ia buscar cascalho para tapar buracos da BR, além dos nomes de “Nova Jerusalém” e “Pela Jegue” (antes o local fora denominado “Presidente Hermes”, nome da fazenda de José Milton Rios e “Trinta e Três”).

JI-PARANÁ

No dia 4 de maio de 1979, em solenidade presidida pelo Teixeirão e com a presença do ministro Andreazza, assumi a prefeitura de Ji Paraná, substituindo Nunoi Itsumi. Ji Paraná que aquela época ia do Rio Jaru ao Igarapé Grande, de onde foram originados os municípios de Ouro Preto, Presidente Médici, Mirante da Serra, que fundei em 1981 e dei o nome, Alvorada D’este que fundei em 1980 e acrescentei D’ Oeste porque os autores do nome, só sugeriram Alvorada, Nova Brasilândia do Oeste, São Miguel do Oeste – que fundei em parceria como Dr. João Bosco Executor do Projeto Gy-Paraná; Nova União, Teixeirópolis, Urupá e metade de Jaru, e Vale do Paraiso.

ESPOSA DO TEIXEIRÃO

(Canuto demonstra muito respeito para com a senhora Aída Fibiger, esposa do governador Jorge Teixeira, e o texto a seguir foi em maio de 2020, quando ela faleceu)

Canuto: Teria muito a dizer mas vou resumir: esta senhora, além de companheira do Teixeirão era de uma dignidade acima da média. Estive na residência deles várias vezes. Almocei e jantei com eles várias vezes; ela ia pouco ao interior, mas quando ia a Ji-Paraná acompanhar o Teixeira ficava lá em casa, enquanto o Teixeira visitava outras localidades. Ela nunca se prevaleceu da posição de “primeira dama”. Sempre discreta, atenciosa, humilde e muito educada. Pelo seu comportamento calmo e afetivo irradiava muita simpatia! Nunca a vi dando palpite sobre assuntos políticos e administrativos. Ficava sempre na sua. Eu a admirava por essas raras qualidades.

LUIZ GONZAGA

Quando prefeito de Ji-Paraná eu trouxe o “rei” do baião Luiz Gonzaga duas vezes para dar show na Festa do Trabalhador. Em ambas, o Teixeirão estava presente e as festas eram feitas no campo de futebol da primeira companhia do 5º BEC. Na segunda vez estava chovendo fininho e o povo não arredou do show. Nessa oportunidade o Teixeirão prometeu cobrir aquela área, dando origem ao atual “Gerivaldão”. Um ano depois, na próxima festa, a obra já estava pronta. O Teixeira falava e cumpria!

NOVA MAMORÉ

O PIC (Projeto Integrado de Colonização) Sidney Girão foi o embrião de Nova Mamoré. Somado com alguns agricultores das Colônias do Yata e Porto Murtinho, surgiu ao lado da pista de pouso que construí para apoiar o a implantação do PIC. Os primeiros parceleiros que levamos para lá eram excedentes do PIC Ouro Preto. O PIC Sidney Girão enfrentou uma malária muito forte e tivemos de reformar o Hospital de Guajará-Mirim, para atender os acometidos dessa malária. Destaco o papel importante do enfermeiro Sr Macedo que trabalhava no posto médico do PIC e os médicos Hélio Arouca, pioneiro de Guajará-Mirim, e Severino, que contratei para trabalhar no PIC e no hospital.

MIRANTE DA SERRA

Muito antes de abrir as ruas eu havia colocado nos mapas do Incra, naquela região, o nome de Mirante da Serra que fiz invertendo o nome de Serra do Mirante que é uma Serra que contorna todo o vale do alto Urupá, isso em 1970, mas só abri as primeiras ruas em Mirante em 1980, quando era prefeito de Ji-Paraná quando dei início à formação da cidade abrindo as primeiras ruas em 1980. Mirante era para ser bem mais desenvolvida pois a BR-429 (rodovia que liga a BR-364 a Costa Marques), mas esbarramos com os índios cabeças secas e a Funai não autorizou a continuação após o Rio Urupá. O Teixeirão resolveu abrir saindo de Presidente Médici e aí surgiu a oportunidade de fundarmos Alvorada, São Miguel e Seringueiras (que antes era a sede do PIC Bom Princípio). Eu participei da escolha da área e da escolha dos nomes das duas primeiras.

ROLIM DE MOURA

(Como muitos municípios rondonienses, Rolim de Moura também nasceu com a entrada de migrantes entre as décadas de 1970/90, e foi mais um organizado pelo Incra, responsável da ocupação fundiária do Território. O destaque é a para a Avenida 25 de Agosto que corta toda a cidade)

Canuto explica: A Avenida 25 de a Agosto foi projetada pelo Capitão Silvio, do Incra, no início da implantação do Setor Rolim de Moura, do Projeto Integrado de Colonização Gy Paraná,  do qual eu era Coordenador, obra locada pela PLANTOP empresa de topografia pertencente a Antonio Miyache de Carvalho.

ARIQUEMES

Esta cidade teve como embrião a implantação pelo INCRA, do qual eu era o coordenador,  dos Projetos de Colonização Marechal Dutra com lotes de 100 ha e de Assentamento Burareiro com lotes de 250, 500, e 1000 hectares. As primeiras ruas e avenidas foram abertas pelo Incra inclusive a hoje Avenida Capitão Sílvio que dava acesso às sedes dos respectivos projetos. A vila já estava bem avançada quando houve a iniciativa de elaborar um projeto urbano, de autoria do então prefeito de Porto Velho (jurisdição até Vilhena) Antônio Carlos Cabral Carpintero, que projetou apenas o setor 1, e, em razão disso, tivemos de readequar os assentamentos “urbanos” que tínhamos realizado.

Só para reforçar. Na realidade temos três vilas de Ariquemes: aquela do acampamento do Rondon (de 1915) na margem do Rio Jamari; a vila formada pelos garimpeiros de 1967 para cá onde existia uma precária pista de pouso que hoje é uma avenida, e a vila de Nova Ariquemes, que se formou no entorno das sedes dos projetos Mal Dutra e Burareiro do Incra a partir de 1975.

Sobre a derrubada da primeira árvore para instalar o município de Ariquemes, aconteceu assim: no dia 18 de maio de 1975, usando um trator que o Incra alugou do Sr. Diomar, iniciamos a abertura do acesso onde seria construído o escritório do Incra, para dar início a implantação dos projetos de Assentamento Burareiro e Marechal Dutra em torno do qual surgiu o acampamento de colonos que originou a cidade de Nova Ariquemes; acesso hoje  conhecido como Avenida Capitão Silvio Gonçalves de Farias, a mais importante da cidade.

(*) inserções em itálico, todas entre parênteses foram feitas pelo organizador do material)

Lúcio Albuquerque – repórter (*) – [email protected]






Outros destaques


+ NOTÍCIAS