RO, Domingo, 12 de maio de 2024, às 10:08



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Alta Floresta d’Oeste é milenar! Pesquisadores podem ter encontrado cidade perdida, no fim da Serra dos Parecis

Pesquisadores voltam ao local em que se encontram grandes pedras rochosas, escadarias de pedra e cuias que refletem imagens da Lua e do Planeta Vênus

Montezuma Cruz

ALTA FLORESTA D’OESTE Um cenário de pesquisa e descobertas de pilões-bacias de pedra na densa área florestal nativa na Zona da Mata em Rondônia volta a ser visitado por pesquisadores autônomos. O sítio fica próximo à Terra Indígena Massaco e à Reserva Biológica do Guaporé.  A 528 quilômetros de Porto Velho, Alta Floresta d’Oeste exibe evidências de ocupação milenar.

“Sabemos que a Terra é habitada há milhões de anos, e na região Amazônica não é diferente” – diz o juiz da Comarca Ji-Paraná, Maximiliano Deitos, um dos pesquisadores. “Não especialista”, porém atuante nas causas ambientais, ele vem se dedicando há anos às causas arqueológicas e indígenas.

Deitos acredita que a concentração de sítios ruínas nos municípios de Alta Floresta D’Oeste, Alto Alegre dos Parecis e Rolim de Moura teria mesmo que despertar a ciência.

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Deitos e demais pesquisadores prosseguem trabalho que revela a outra face de Rondônia

A derradeira excursão do grupo às pedras aconteceu no dia 13 de outubro. Quatro amigos de Alta Floresta e Ji-Paraná saíram numa expedição para revisitar o lugar anteriormente descoberto pelo biólogo, farmacêutico e pesquisador autônomo Joaquim Cunha (in memoriam), e pelo indigenista Evandro Santiago.

Essa área do interior de Alta Floresta d’Oeste, estrategicamente na ponta final da Serra dos Parecis, possui rica biodiversidade. Fica exatamente na fronteira entre biomas: o cerrado a leste e norte; a floresta amazônica a oeste; e Pantanal ao Sul, conhecido como Pântanos do Guaporé, propício para variação de plantas e animais.

Farmacêutico, bioquímico e pesquisador autônomo Joaquim Cunha (Foto de Álbum Familiar)

Joaquim Cunha acreditava que objetos de pedra, cobre e ferro encontrados na região ao redor do grande morro que veio a receber o nome de Pirâmide do Condor – dado por ele – seriam evidências do lendário Paititi, lendária cidade perdida no leste dos Andes, escondida em algum lugar das florestas tropicais do sudeste do Peru, norte da Bolívia e noroeste do Brasil.

Durante a pesquisa de artefatos relacionados à Pirâmide do Condor, Joaquim Cunha coletou informações de produtores rurais em Alto Alegre dos Parecis. Um deles havia localizado peças e adornos produzidos a partir de uma rocha e semelhantes a esmeraldas.

Ele fotografou-as e, pelos estudos que fez, entendeu que elas poderiam ter sido usadas como moeda de troca entre povos que habitavam a região. “Esse município está localizado em um sítio arqueológico, até mina de cobre abandonada possui”, dizia Joaquim.

Pesquisadores voltam à floresta para reconhecer aspectos da arqueologia da Zona da Mata
Medição dos pilões-bacias foi mais um passo para a classificação dessas pedras

Na mais recente visita, os pesquisadores observaram outras pedras características da região, porém, esculpidas na forma de pilões com circunferências médias de 32,6 cm e profundidade média de 16 cm. Os principais deles medem 2,60 de largura por x 4,70 x 5,30 x 3,10, alturas de 1,20 x 1,60 x 1,80 e 0,55, respectivamente, contendo em sua superfície 27 “pilões-bacias.”

Quando observou os primeiros, em 2009, o pesquisador Joaquim Cunha os denominou “Altar inca”, considerando a possibilidade de ser um local sagrado. Esse altar é semelhante a outros altares encontrados em Machu-Picchu e em Poro Poro, Cajamarca – ambos no Peru – e algumas localidades da Colômbia.

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“Nesta mesma região também foram descobertos: um terraço voltado a agricultura (andene), restos de caminhos de pedra (“Caminho de Peabiru”) e diversos geoglifos ao redor.

Andenes são escadas ou terraços ao redor das montanhas usadas para o plantio, especialmente, de milho e feijão. Peabiru foi um caminho formado por trilhas que ligavam o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, muito usado pelos incas.

Mata fechada e difícil acesso

A excursão de outubro começou por volta de 8h da manhã: os pesquisadores Maximiliano Deitos, José Vicente e Marcos “Galego” saíram de Ji Paraná com destino a Alta Floresta D’Oeste, ali chegando por volta de 10h40, juntando-se ao quarto integrante da equipe, Júnior Stoker, para compras suprimentos.

Saíram às 11h15, chegando às 13h40h à fazenda distante 80 quilômetros da cidade. “Chovia torrencialmente por quase uma hora, e a nossa ida até o “Altar Inca” foi por volta de 15h10”, conta Maximiliano.

“A partir dali, numa caminhada por 2,3 km, enfrentamos mata fechada e de difícil acesso; chegamos finalmente aos primeiros vestígios do sítio arqueológico às 16h22”, relata.

Cortes perfeitos

Logo na entrada, o grupo notou um misterioso bloco de pedra gigante com cortes perfeitos, lembrando as construções de pedras em Cuzco-Machu Picchu. Uma cachoeira de aproximadamente 75 metros de altura é o pano de fundo do altar, local sagrado para todos os visitantes.

Até alcançar o principal monumento arqueológico do local, o grupo teve que enfrentar diversos blocos de pedras escorregadios. A chegada ao local emocionou a todos. “É a quarta vez que visito esse local desde 2010, e nele pernoitei pela segunda vez”, conta Maximiliano.

Segundo ele, é muito boa a experiência de reviver “o sonho do Eldorado Paititi” no qual acreditava Joaquim Cunha. “Quase inenarrável, a considerar os geoglifos com diversas figuras da cosmologia inca (pastor, lhama, planeta vênus, o Deus Viracocha, o crânio, serpente, sapo, condor, puma, beija-flor), os andenes, e um pequeno trecho de caminho de pedra semelhante ao Caminho de Peabiru.

“Imaginamos que algum povo pré-colombiano ou inca esteve aqui em Rondônia.  A cada visita descobrimos algo novo e celebramos a memória de Joaquim”, destacou Maximiliano.

O empresário José Vicente, em sua primeira expedição, comenta: “Esse lugar é majestoso, algo que precisa ser estudado e preservado, apesar da dificuldade de acesso”.

Para o fotógrafo e acadêmico de geografia Júnior Stoker, o sítio certamente foi habitado por nômades há milhares de anos, dentro do longo período pré-colombiana. “Esses povos utilizavam os recursos naturais abundantes durante um determinado período, depois migravam para outra localidade.”

Água e floresta, uma combinação fantástica na Zona da Mata rondoniense

“Na medida em que os estudos avançam, outras teorias vão surgindo: esse local pode ter sido utilizado para outras funções, quem sabe, a extração de minérios por antigos nômades” – ele sugere.

Faz sentido, pois, em 2010 foi denunciado ao pesquisador do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Francisco Pugliese, o desaparecimento de pedras, objetos de cobre e ferro, e urnas funerárias inteiras encontradas na região de Alto Alegre dos Parecis.

Ainda, há notícias de que pesquisadores ligados à UNIR estão iniciando estudos na região de Costa Marques, distante a 240 quilômetros do local, a respeito da “cidade de pedra” conhecida como Labirinto, com possíveis vestígios incas.

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Pedras que originaram escadas sugerem estudos arqueológicos profundos pelo Iphan

“Na medida em que os estudos avançam, outras teorias vão surgindo: esse local pode ter sido utilizado para outras funções, quem sabe, a extração de minérios por antigos nômades” – ele sugere.

“É possível que esse grupo nômade tenha utilizado deste local para extração de minérios”, diz Júnior Stoker. “A construção desses “pilões-bacias” talvez tenha sido feita para armazenar uma mistura de água com moídos de pedras para extração de ouro em pó, levando em consideração que o metal se concentraria no fundo do pilão após o descanso de um a dois dias, e após esse processo o material que ficaria na superfície seria retirado para descarte, possibilitando assim o acesso ao material nobre, no fundo” – acredita.

Outro fator que influenciou a teoria do pesquisador fato de, no encontro entre a cachoeira e a pedra principal contendo 27 pilões, existir uma pedra com a superfície modificada com ranhuras”, podendo ser comparadas a uma planta de lavagem.

Numa segunda hipótese poderiam ainda ter sido usadas para afiar/apontar estacas que seriam utilizadas para contribuir com pequenas escavações. “A escassez do minério teria contribuído para a evasão desse grupo desta região”, acrescenta.

Temor de invasões

Joaquim Cunha anotava em suas descobertas que a pedra principal denominada “Altar inca” seria um observatório astronômico ou religioso.

O grupo pernoitou no local para apreciar o reflexo da lua e das estrelas nos 27 pilões-bacias, todos medidos e fotografados para estudos.

No dia 14 de outubro, Maximiliano e equipe acordaram por volta de 5h30 e ali pernoitaram para novas observações de pedras, pilões e feições. Foi quando encontraram outras cinco pedras contendo quatro a oito pilões ao longo do riacho, com distância média entre elas de 50 metros.

Lugar ainda está conservado, mas pesquisadores temem invasão

“Temos uma grande preocupação: o Iphan foi comunicado sobre a descoberta há 14 anos, enviou dois profissionais à região, mas os estudos não evoluíram”, queixa-se o juiz. Segundo Maximiliano, este ano foram vistos invasores próximos ao sítio arqueológico, que fica nas imediações da Terra Indígena Massaco e da Reserva Biológica do Guaporé. Eles foram retirados após decisão judicial. No entanto, o avanço da pecuária na região já destruiu alguns geoglifos.

Obviamente, se não prosperarem os estudos do Iphan, a atividade pecuária pode ser fator de destruição dos geoglifos e de tudo mais que ali for encontrado por pesquisadores autônomos.

Expedições

No final de 2020 e início de 2021 foram realizadas três expedições na região dos geoglifos após o trabalho inicial de Joaquim Cunha. Maximiliano, familiares e simpatizantes buscavam novas evidências arqueológicas, ao mesmo tempo em que revisitavam locais que contribuíram para a formação da tese do Eldorado-Paititi.

Um dos participantes das expedições, o ambientalista, fotógrafo e pesquisador Carlos Tuyama, diz: “São espaços na floresta ainda preservados e cercados por uma aura de mistério.”  Mesmo se declarando “não especialista” no tema, Tuyama vê a necessidade de o grupo avançar nos estudos, paralelamente ao que o Iphan puder fazer. “Temos uma grande a oportunidade de andar por esses caminhos abertos pelo saudoso amigo Joaquim, e a experiência de presenciar vestígios que realmente fazem crer na presença de outras civilizações distantes.”

Tuyama diz que em diversos momentos sentiu a sensação de que a montagem desse quebra-cabeça ainda esteja distante. “Mas nós estamos no caminho certo, provavelmente”, ele garante.

Pirâmide do Condor, expressão geográfica de Rondônia, ainda é pouco conhecida

A localização dos pilões e a quantidade deles podem ter sido usadas para a observação de estrelas e astros durante o período noturno, em relação a essa teoria numa das expedições ao altar o grupo os encheu com água da cachoeira.

Relembrando aquele momento, o professor José Adilson Garcia Andrade, que leciona ciências sociais, biologia e história em Rolim de Moura, relata: “Dentro dos pilões observamos nitidamente a imagem do Planeta Vênus e o movimento de rotação da lua.” “Durante a história da ocupação, povos originários conheciam as fases da lua para melhor escolher os períodos da pesca, caça e plantio”, acrescenta.

Entusiasmo

Em setembro de 2016, o falecimento do pesquisador Joaquim Cunha representou uma enorme perda para os estudos que ele dirigia na região central de Rondônia.  A busca incessante do Paititi, o Reino Gran Moxo, resultou com ele em alegres excursões com banhos de rio e comida feita em fogão improvisado no chão.

Joaquim e a equipe se aproximaram de sitiantes e fazendeiros em cujas propriedades estão os pedaços do rico sítio arqueológico registrado no Cartório de Rolim de Moura. Apaixonado pelo tema, ele colecionava importantes evidências que o faziam crer na existência do lendário reino Eldorado-Paititi. Durante as expedições, ele e os amigos voluntários paravam horas apenas para contemplar paisagens, ou para comer e beber água. Andavam a pé durante o dia em busca de raízes longínquas.

“Infelizmente, ele se foi, após cumprir tão relevante missão. Aí ocorreu uma brusca interrupção nessas explorações que até recentemente estiveram paralisadas, mas o entusiasmo dele sempre agregou amigos voluntários que agora vêm retomando a suas explorações através do estudo daquilo que já foi catalogado e em expedições com rigoroso cuidado ambiental”, assinala Tuyama.

“Uma série de evidências aqui encontradas induzem a novos estudos e expedições; elas podem fazer parte de um mosaico que possivelmente irá revelar importantes fatos da presença de civilizações de origem andina em nossa região”, analisa o ambientalista.

Tuyama alerta as autoridades para possíveis alterações provocadas por ação antrópica. Isso acontece cada vez mais por causa das ameaças do desmatamento e do fogo: ambos desafiam os voluntários de uma causa cujos mecenas são eles próprios.

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O engenheiro civil e técnico em transações imobiliárias Joaquim Antonio Barbosa Cunha da Silva, filho de Joaquim, emociona-se: “A região do Altar Cerimonial de Paititi, como era chamada por meu pai, emana uma aura incrível: o lugar gera uma conexão com a natureza que eu nunca senti em outro lugar, seja pela vegetação, córrego, formações rochosas e rochas esculpidas que parecem ter sido claramente moldadas pela mão humana, pois algumas aparentam ter cortes perfeitos.”

E acrescenta: “As cachoeiras fecham com chave essa aura de purificação e conexão. Eu não sou um estudioso da área, mas percebo que o altar se assemelha muito aos altares encontrados no Peru, onde presenciei alguns deles quando criança. Eu tinha dez anos quando fui a Machu Picchu, e realmente há algo ali que me faz lembrar dos incas.”

* Originalmente publicada no Varadouro, o jornal das selvas
  Com fotos de Júnior Stoker

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