PENSILVÂNIA – Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, conseguiram transformar um fungo tóxico associado a mortes misteriosas em escavações de tumbas antigas, como a do faraó Tutancâmon, em uma arma promissora contra o câncer, especificamente a leucemia.
A descoberta, publicada na última segunda-feira, 23, na revista científica Nature Chemical Biology, abre novas possibilidades para o desenvolvimento de medicamentos derivados de fungos, segundo a universidade.
Uma amostra de Aspergillus flavus cultivada em laboratórioDivulgação/Bella Ciervo
O fungo Aspergillus flavus ganhou notoriedade por estar ligado a episódios históricos trágicos. Na década de 1920, após a abertura da tumba do Rei Tutancâmon, no Egito, várias pessoas da equipe de escavação morreram de forma inesperada.
Décadas depois, cientistas sugeriram que esporos desse fungo, adormecidos por milênios, poderiam ter causado infecções pulmonares fatais, especialmente em pessoas com sistema imunológico enfraquecido.
Outro caso ocorreu na década de 1970, na Polônia, quando dez dos doze cientistas que entraram na tumba de Casimiro IV morreram semanas após a exposição. Análises posteriores confirmaram a presença do A. flavus no local.
Agora, esse mesmo fungo revela um potencial surpreendente para salvar vidas.
Da toxina ao tratamento
Liderada pela professora Sherry Gao, da Universidade da Pensilvânia, a equipe de pesquisadores identificou uma nova classe de moléculas no A. flavus, chamadas de peptídeos sintetizados ribossomicamente e modificados pós-traducionalmente (RiPPs).
Essas moléculas, difíceis de purificar, foram isoladas e modificadas para potencializar suas propriedades anticancerígenas. Os cientistas nomearam os compostos de “asperigimicinas”, em homenagem ao fungo de origem.
Testes em laboratório mostraram que duas das quatro variantes das asperigimicinas têm efeitos potentes contra células de leucemia. Uma delas, modificada com a adição de um lipídio (molécula gordurosa semelhante à encontrada na geleia real das abelhas), apresentou desempenho comparável a medicamentos já aprovados pela FDA, como a citarabina e a daunorrubicina, usados no tratamento de leucemia há décadas.
“Os fungos nos deram a penicilina”, disse Gao em um comunicado divulgado pela unviersidade. “Esses resultados mostram que muitos outros medicamentos derivados de produtos naturais ainda precisam ser descobertos”.
Como as asperigimicinas funcionam?
As asperigimicinas agem bloqueando a formação de microtúbulos, estruturas essenciais para a divisão celular. Como as células cancerígenas, especialmente as de leucemia, dividem-se de forma descontrolada, os compostos conseguem interromper esse processo, inibindo o crescimento do câncer.
Curiosamente, os testes mostraram que as asperigimicinas têm efeito específico contra células de leucemia, sem impactar significativamente células de outros tipos de câncer, como mama, fígado ou pulmão, o que é uma característica promissora para futuros medicamentos.
Outro avanço importante foi a descoberta do papel do gene SLC46A3, que atua como uma “porta de entrada” para as asperigimicinas nas células leucêmicas. Esse gene facilita o transporte dos compostos para dentro das células, aumentando sua eficácia.
Segundo Qiuyue Nie, pesquisadora de pós-doutorado e primeira autora do estudo, essa descoberta pode ser aplicada a outros peptídeos cíclicos, o que amplia as possibilidades de desenvolvimento de novos tratamentos.
Método inovador
A identificação das asperigimicinas exigiu uma abordagem criativa. Os pesquisadores combinaram análises genéticas e metabólicas para localizar os RiPPs no A. flavus.
Eles examinaram diferentes cepas de Aspergillus e desativaram genes específicos para confirmar a origem das moléculas. Esse método não só revelou a fonte das asperigimicinas, mas também abriu caminho para a descoberta de outros RiPPs fúngicos no futuro.
“A síntese desses compostos é complexa, mas é isso que lhes confere uma bioatividade notável”, disse Nie.
A descoberta das asperigimicinas é apenas o começo. Os pesquisadores planejam testar os compostos em modelos animais e, se os resultados forem positivos, avançar para ensaios clínicos em humanos.
Além disso, a identificação de grupos de genes semelhantes em outros fungos sugere que mais compostos com potencial médico podem ser encontrados.
“A natureza nos deu uma farmácia incrível”, afirmou Gao. “Cabe a nós desvendar seus segredos e usar esse conhecimento para criar soluções melhores”.
Fonte: R7.com www.expressaorondonia.com.br