
O Brasil bateu recorde de liberação de agrotóxicos e defensivos biológicos em 2024, segundo dados divulgados na terça-feira pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Foram 663 produtos aprovados no período, uma alta de 19% na comparação com 2023 (555) — que havia tido a primeira queda anual em sete anos.
O crescimento ocorreu após a aprovação da nova lei dos agrotóxicos, sancionada com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em dezembro de 2023, que facilita a liberação de agrotóxicos, ao modificar regras de aprovação e comercialização. O valor registrado no ano passado foi o maior aferido pela pasta desde o início da série histórica, em 2000.
Liberações de agrotóxicos e defensivos biológicos no Brasil
Os dados mostram que a maioria dos defensivos aprovados são agrotóxicos genéricos — cópias de princípios ativos inéditos ou produtos finais baseados em ingredientes já existentes no mercado. O montante também é composto por 106 defensivos biológicos, considerados de baixo risco.
Segundo os números apresentados pela pasta, 464 dos defensivos liberados são para o uso dos agricultores. Outros 199 foram para uso da indústria na fabricação dos pesticidas. O número elevado de aprovações não representa, entretanto, o total de defensivos comercializados no país.
O Ministério da Agricultura disse ao GLOBO que o aumento no número de liberações segue a tendência das quantidades de registros protocolados nos três órgãos competentes. Segundo a pasta, foi dada prioridade aos registros de produtos de baixo risco e “uma parte significativa das liberações ocorreu em cumprimento a decisões judiciais”.
O projeto de lei, apelidado de “PL do Veneno” por ambientalistas, definia o Ministério da Agricultura, comandado por Carlos Fávaro, como o órgão coordenador dos processos de reanálises, e responsável por liberar e fiscalizar os agrotóxicos registrados que tenham composição química alterada. As mudanças na fórmula de defensivos ocorrem com frequência no mercado.
Com o veto, o próprio Ibama e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) continuarão a exercer o papel de avaliar os impactos ao meio ambiente e à saúde, com o mesmo poder de veto da Agricultura, antes da liberação de um produto modificado.
Apesar de ter vetado trechos da lei, o presidente manteve a previsão de acelerar o trâmite dos registros de agrotóxicos, que durarão no máximo dois anos contra uma média de duração anterior de 8 anos. A medida criticada por ambientalistas.
Procurado pelo GLOBO, o Ibama afirmou que “ainda não ocorreram grandes mudanças nos procedimentos” de liberação de agrotóxicos, já que a “nova legislação ainda necessita de regulamentação para sua plena operacionalização” (leia a nota completa ao fim da reportagem).
Veja o que Lula vetou
Produtos alterados pelo Ministério da Agricultura
A possibilidade do Ministério da Agricultura autorizar a inclusão de novos ingredientes, matéria prima e ativos no registro de um agrotóxico.
Ministério da Agricultura coordenando reanálise
Veto ao artigo 28, que define o Ministério da Agricultura como “o coordenador do processo de reanálise dos agrotóxicos e poderá solicitar informações aos órgãos da saúde e do meio ambiente para complementar sua análise”.
Na justificativa, Lula disse que o “veto visa impedir que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis percam o protagonismo técnico nesse tipo de reanálise quando estiverem sendo avaliados riscos à saúde humana e ao meio ambiente”.
Autorização antes da conclusão da reanálise
Lula vetou o trecho do artigo 29 que prevê autorizações, pelo Ministério da Agricultura, para agrotóxicos enquanto seus processos de reanálise de risco não forem concluídos. Houve veto semelhante a outro trecho do artigo 30, que dava o mesmo poder ao Ibama, de conceder o registro antes do fim da reanálise.
Como motivo para vetar o trecho, o presidente apontou que “em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa é inconstitucional por colocar em risco os direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. De acordo com o governo, a veto “visa evitar a exposição humana e ambiental aos agrotóxicos e aos produtos de controle ambiental cujos riscos ainda estejam em processo de reanálise”.
Aviso para não reaproveitamento
Lula também barrou o trecho do artigo 41 que dispensava a exigência de aviso de “não reaproveitamento da embalagem”. Segundo o governo isso poderia incentivar a “desinformação” sobre o produto.
Taxa de Registro
O presidente vetou a regulamentação de uma “Taxa de Avaliação e Registro” sobre os agrotóxicos, que seria usada para financiar o Fundo Federal Agropecuário. De acordo com a mensagem que acompanha o veto, “não houve, no arranjo dado pelo projeto de lei, fixação de base de cálculo e alíquota da Taxa de Avaliação e de Registro”, o que viola o “princípio da legalidade tributária”.
Leia a nota completa do Ibama:
“Diante do questionamento acerca do crescimento na liberação de agrotóxicos no Brasil e da recente aprovação da Lei nº 14.785/2024, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) esclarece que ainda não ocorreram grandes mudanças nos procedimentos da autarquia em 2025. Isso se dá porque a nova legislação ainda necessita de regulamentação para sua plena operacionalização.
Ressaltamos que o processo de avaliação ambiental de agrotóxicos continua seguindo o estabelecido no Decreto nº 4.074/2002, em tudo o que não contrariar os termos expressos da nova lei. O Ibama já havia se manifestado durante o trâmite legislativo sobre os possíveis impactos na sua competência institucional e, posteriormente, apresentou, em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, recomendações de veto ao Presidente da República.
Quanto ao crescimento na liberação de agrotóxicos no Brasil, é preciso esclarecer que cerca de 90% dos produtos são genéricos ou “clones”, ou seja, possuem as mesmas fórmulas já aprovadas, e não novas. Apenas há mudança da marca comercial ou o “nome fantasia”. Por isso, eles são analisados com muita rapidez. Já os produtos técnicos novos, que em geral são menos tóxicos, compõem cerca de 5% da fila e demandam uma análise mais complexa. Lembrando, ainda, que o registro de agrotóxicos no Brasil sempre é realizado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), não pelo Ibama, cuja competência é de fazer a avaliação ambiental desses produtos.”