Montezuma Cruz

PORTO VELHO – Dois bilhões de bocas e estômagos chineses serão também saciados com produtos da agropecuária brasileira para lá exportados. Quinze anos atrás eu presenciava a visita de membros da Academia de Ciência Chinesa à Embrapa Cerrados, em Planaltina-DF. Recebidos pelo pesquisador Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho, eles participavam da transformação da mandiocaba [mandioca doce da Amazônia] em álcool etanol.

O que aconteceu de lá para cá, Castelo Branco pode informar muito bem, pois já esteve algumas vezes na China.

A mandioca vista pelos professores de Beijing em 2009 somava uma massa degradada de 250 quilos que renderia 25 litros de etanol (C2H5OH). Castelo alertava e ensinava aos chineses: além do açúcar utilizado naturalmente na fabricação do etanol, apareceram na experiência outros açúcares que não entram na fermentação. E no fim do teste ele agia rápido a fim de evitar a formação de aldeídeos [compostos químicos orgânicos], concentrando esforços para utilizar todo o potencial dessa variedade.

Mandioca nasceu no Médio Madeira dez mil anos atrás, segundo DNA feito pela Embrapa

Os professores Wenquan Wang, da Academia de Ciência Chinesa para Agricultura Tropical (Catas), e Xin Chen, do Instituto Tropical de Biociência acompanharam o professor Bin Liu, PhD do Instituto de Genomas de Beijing (China) e assistente de direção daquela instituição de ensino. Eles ficaram felizes com a experiência.

Os chineses foram e voltaram, sem alarde. Naquele inesquecível 2009 o pesquisador Josefino Fialho lhes informava que a Embrapa Cerrados cultivava dois hectares de mandiocaba. O banco ativo de germoplasma de mandioca reunia uma coleção com quinhentas variedades de diferentes procedências, entre as quais a mandiocaba.

Ali os cientistas souberam que essa variedade tem grandes vantagens, entre as quais o teor de glicose. E que os programas de melhoramento de mandioca no Brasil nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef eram orientados para produção de farinha e fécula.

A fécula é indicada no Brasil para pessoas com celíase, resistentes ao glúten.

No dia da experiência, divulgava-se esta estatística: a mandioca e a batata-doce rendem 4 a 6 mil litros por hectare de bioetanol, enquanto a cana de açúcar alcança 5 a 7 mil l/ha e o sorgo sacarino 3,5 a 4,5 mil l/ha.

Pesquisador Diego Aires, em 2009: biopolímeros

Entre as nossas necessidades e a expectativa chinesa em ampliar o multiuso da mandioca havia um caminho a percorrer.

Na atualidade, novas variedades obtidas a partir da mandioca açucarada podem diversificar o mercado de derivados da mandioca em uso comercial.

Há muito mais a considerar no campo social. Prova disso é o item nº 12 do acordo com 15 itens firmado esta semana entre os presidentes Lula e Xi Jinping, que prevê a o entendimento entre o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil e o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China, na cooperação para o desenvolvimento social e rural e combate à fome e à pobreza.

Vi na presença chinesa em Planaltina e na presença de Castelo em visitas à China desde o governo Fernando Henrique Cardoso, uma vitória dos cientistas da Embrapa [Cerrados, Recursos Genéticos e Biotecnologia-Cenargen e da Embrapa Mandioca e Fruticulturaa Tropical, em Cruz das Almas, na Bahia].

Vitória, porque aprenderam conosco, e nós com eles. O governo brasileiro já dispunha com Lula e Dilma da oferta chinesa de estudos a respeito do sequenciamento de genoma de suínos, de frangos e do ser humano! Eles vinham estudando tudo isso anos a fio.

Naquela ocasião, os pesquisadores chineses informaram possuir uma coleção com aproximadamente mil acessos de mandioca. O acordo entre a Embrapa e a Academia Chinesa previa em 2009 a possibilidade de coleta e intercâmbio de material genético de acordo com a legislação dos dois países.

Wenquan Wang quis saber do então deputado Fernando Melo (PT-AC), ao qual eu assessorava naquele período, o total de área desmatada no Acre e as condições das lavouras de mandioca naquele estado amazônico. O parlamentar respondeu-lhe com alegria: “Perdemos apenas 12% de área de cobertura original. E a mandioca poderá expandir-se à vontade, sem a necessidade de novas derrubadas”

Naquela mesma ocasião, no Pará, os pesquisadores Flávio Ikeda (Emater em Abaetetuba) e Diego Aires, que em 2009 fazia mestrado, estudavam a mandioca como fornecedora de biopolímeros para produção de plástico biodegradável. Biopolímero é a macromolécula característica de seres vivos e de estrutura polimérica – proteínas e ácidos nucleicos, por exemplo.

Embrapa e a Academia de Ciência Chinesa (Catas) assinavam um memorando visando a cooperação em melhoramento genético da mandioca. O pesquisador Eduardo Alano Vieira mostrava-lhes ainda a matéria-prima para o aumento da produtividade das variedades vermelha – rica em licopeno – e amarela, espécie com maior teor de betacaroteno.

Não sabiam o mínimo a respeito da cultura mandioqueira e seu multiuso no mundo aqueles que zombaram da ex-presidente Dilma Rousseff quando ela proferiu a frase: “vou estudar a mandioca” ou “estou saudando a mandioca”.

Xangai, China, 13.4.2023: a ex-presidente da República Dilma Rousseff assume a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), e continua saudando a mandioca

Tampouco sabem até hoje, salvo raríssimas exceções, que a mandioca apareceu na região do Médio Madeira, desde há dez mil anos e que atualmente é cultivada em mais de 150 países.  De um século para cá, Rondônia pode assim ser considerada seu berço, e da mesma forma, uma considerável extensão do sul do Amazonas. DNA feito pela Embrapa Biotecnologia comprova, consultem-no.

Mas insistem no deboche a quem saudou a raiz brasileira, o pão dos pobres, sugerindo a todos a estudá-la melhor.

Dilma continua saudando* e estudando a mandioca, da mesma forma que podemos também estudá-la. A propósito: a ex-presidente derrubada do cargo em agosto de 2016, em meio ao regozijo de sarcásticos parlamentares que se diziam “pela Pátria, pelos filhos e pela família”, tomou posse agora na presidência do Banco dos Brics, o NDB.

Trata-se do banco dos países membros dos blocos e em outras economias de mercado emergentes, além de países em desenvolvimento.

Dilma apenas iniciou um estudo. Em se tratando de mandioca há um caminho sem fim a percorrer: a raiz não se limita à produção de farinha, papel higiênico e de embrulho de bombons; álcool etanol, biscoitos, beijus, herbicida em pós; à engorda de bovinos com sua preciosa água após perder o ácido cianídrico em 24h; e a fabricar caixas de papelão para embrulhar eletrodomésticos.

Ela é o maior “bombril” da face da Terra e pelo visto tem mil e uma utilidades.

O maratonista Usain Bolt, o “Relâmpago”, corria desde menino alimentado pelo caldo dessa raiz.

Francamente, a falta de conhecimentos dói.

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*   Dilma usou a expressão em junho de 2015, na abertura dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, diante de representações de povos originários de 23 países. “Nenhuma civilização nasceu sem ter acesso a uma forma básica de alimentação e aqui nós temos uma, como também os índios e os indígenas americanos têm a deles. Temos a mandioca”.
Acrescentava: “Hoje eu saudando a mandioca, uma das maiores conquistas
do Brasil”.

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Fotos: Montezuma Cruz e Ricardo Stuckert (Presidência da República)

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