RO, Domingo, 27 de abril de 2025, às 9:02






Baixa oxigenação das águas e desmatamento são possíveis causas da mortandade de peixes na Terra Indígena Rio Branco

ALTA FLORESTA D’OESTE A mortandade de peixes na região da Zona da Mata de Rondônia ocorrida entre o final do mês de novembro e o início de dezembro está sujeita ao teor de oxigênio na água. O primeiro fenômeno já prejudicou o Pantanal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e não está descartado em Rondônia. O desmatamento também é fator de risco.

Laudo apresentado esta semana pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Branco e Colorado baseou-se em análises de turbidez, análises microbiológicas e de oxigênio dissolvido no interior da Terra Indígena (TI) Rio Branco.

A coleta de água foi muito rápida, a partir de 13 de dezembro. A Funai autorizou a entrada dos pesquisadores na TI. Em videoconferência no YouTube, técnicos consideraram os dados iniciais. Um trabalho profundo virá pela frente, anunciou a presidente do Comitê, Yraci Pinheiro.

Gerson Tupari: todos surpresos com o volume de peixes mortos ao longo do Rio Branco

Força-tarefa montada por especialistas coletou águas com a colaboração do Conselho Indígena e da Funai. O Rio Brilhante afluente do Rio Branco, também perdeu cardumes.

O líder Gerson Tupari disse que a mortandade de peixes este ano surpreendeu a todos. “Com as imagens do professor Izaías, logo a gente pediu ajuda a pessoas da Universidade, e ele veio até a TI, mas nesse período da morte de peixe já estava diminuindo; antes a quantidade foi muito grande”.

Extraoficialmente, calculou-se em pelo menos cinco toneladas o volume de peixes mortos. “Seria bom se a análise fosse contínua em todos os períodos, porque a gente não sabe como está o oxigênio da água”, sugeriu Gerson.

Sugestão de estudos ampliados é bem aceita pelo Comitê

Adriano Tupari considerou essenciais os estudos “que deixam as pessoas mais alertas para que as pesquisas, na próxima temporada, sejam feitas a tempo”.

A comunidade da TI solicitou anteriormente análises das águas de rios, mas não fora atendida.

O engenheiro químico com experiência na área de águas Valmor Alves disse: “O indígena tem que se impor, porque grau de escolaridade não é grau de inteligência; a ciência não é feita só em laboratório, mas no campo, e eles são os nossos cientistas do campo. É fundamental que tenhamos amostragem de qual espécie está morrendo mais, porque o oxigênio é importante para qualquer ser vivo; espécies que são mais sensíveis ao oxigênio tendem a morrer em maior quantidade”.

É essencial a biópsia para se ter noção das diferenças:

“Se for por oxigênio, isso significa que morre por asfixia, com pulmões danificados; se for por organoclorados, fígado e cérebro são atingidos”.

Elivar Karitiana informou que até dois meses atrás o Conselho Distrital de Saúde Indígena trabalhou nas margens das aldeias Rio Branco, até a Aldeia Palhal. “Nunca havia visto morrer tanto peixe assim”, ele disse. “Pensamos que agrotóxicos estavam matando os peixes, e numa segundo hipótese, o sinal da natureza, por causa dos grandes desmatamentos nas margens dos rios”.

Segundo constatou, a nova massa sobre a terra, na margem dos rios é arrastada pela chuva para o rio e está matando os peixes por choque térmico. “Se no ano que vem houver esse mesmo desmatamento, a situação continuará igual”, previu. “Isso tem ocorrido há algum tempo e nós, povos indígenas, estamos observando”, alertou.

Núbia Caramello: especialista em gestão pública e informações geográficas à gestão ambiental
“Menos água, menos matéria orgânica”

Da nascente degradada até a última fazenda que faz limite com a TI, no início do período chuvoso de 2020, em outubro, a média de oxigênio alcançou 3,5 miligramas por litro, enquanto em junho de 2021 ela aumentou para 6,1 mg, porém, caiu em setembro para 5,2 mg/L. “Menos água, menos matéria orgânica entrando nos rios”, assinalou Izaías Médici Fernandes, doutor em biologia em água doce e pesca e interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), mestre em ecologia e conservação da biodiversidade pela UFMT, e pesquisador na Bacia do Rio Branco.

Segundo Izaías, no ano passado morreram peixes no Rio São Miguel, em São Miguel do Guaporé, e da mesma maneira, no Pantanal, ora com intensidade maior ou menor.

“No caso do Pantanal, existem respostas bem precisas sobre os fatores que causam essa mortandade; para algumas regiões da Amazônia, a gente também tem”, ele disse.

Lembrou ainda de outra mortandade de peixes ocorrida próxima a Manaus, causada segundo pesquisadores pelo aquecimento da água e a redução de oxigênio.

Variação de chuvas

“A intensa mortandade na TI não ocorreu em toda a bacia, só que o ciclo hidrológico precisa ser analisado: em 2016, por exemplo, a pluviosidade em Alta Floresta d’Oeste foi de 1.803 milímetros; de 300 mm entre janeiro e fevereiro, caindo para menos de 100mm em abril e outubro”, detalhou.

“Em 2017 o índice total caiu para 1.722 mm, porém, em abril e julho houve uma quantidade maior de chuvas, então, tivemos um período de seca menor. Em 2018 a situação ficou mais ou menos semelhante, mas choveu bastante: 1.828 mm; em 2019, em abril e outubro choveu próximo a 200 mm, e em 2020 houve queda na pluviosidade desde janeiro: saímos de 1979 mm naquele ano para 1471 em 2020, e em abril do ano passado o nível de chuvas foi abaixo de 200 mm, e em outubro de 2021 aumentou um pouco, indo acima dos 100 mm”, concluiu.

Para Izaías, 2020 foi um “ano relativamente seco”, o que considera importante para se entender a mortandade. “E se a gente olhar para 2021, com base no ciclo de junho daquele ano e de 2021 encontramos uma quantidade de chuva mito pequena e uma longa estiagem.

“Toda a matéria orgânica que morreu vai se acumulando, numa taxa de decomposição reduzida, embora a série histórica não seja suficiente para entendermos todo o fenômeno”, considerou o biólogo.

Choveu menos em 2020 no município de Alta Floresta d’Oeste

De janeiro a março, conforme dados da Sedam, a pluviometria aponta volumes abaixo de 250 mm. Até 13 de dezembro de 2021 choveu 1.554 mm na região.

Os valores permitidos são até cem. A água de classe 2 está com turbidez (NTU) de 22,6 num ponto do Rio Branco, porém, varia até 52,8 E 72,4 a montante do rio, enquanto a variação é de 25,4 para 40,5 a jusante. Os coliformes variam de 2 mil UFC 100 ml a 4 mil em cinco pontos a montante, e de 4 mil a 30 mil a jusante. E os coliformes totais situaram-se na faixa de 10 mil a 155 mil. Já o oxigênio dissolvido ficou entre 4.1 mg/L e 9.1 no ponto Rio Branco 4.

Alerta de animais

Segundo a professora doutora Elisabete Nascimento, responsável pelas análises no Laboratório de Microbiologia e Limnologia, campus de Ji-Paraná da UNIR, há indicadores de contato entre fezes das águas com animais de sangue quente, incluindo mamíferos. “O que me chamou a atenção: apenas num ponto não se desenvolveu o e-coli e todos os outros pontos apresentaram valores superiores aos estabelecidos pela legislação”.

Elisabete faz ensaios de toxidade e avaliação química da água subterrânea de áreas potencialmente contaminadas

Outra hipótese que estaria associada à mortandade de peixes está relacionada ao oxigênio dissolvido. Em três pontos não foi possível recolher material para análises, e entre os que possibilitaram no Rio Branco e a jusante do Rio Brilhante, revelaram uma concentração menor que 5 mh/L previsto pela Resolução Conama nº 357.

De uma forma geral, ela considera, os estudos de uma década têm demonstrado que nesta época do ano, no início do período chuvoso, a água que estava estagnada decompondo a matéria orgânica do verão vai diminuindo de fato por consequências naturais da concentração de oxigênio. “Então, quando começa a chover e se dá o revolvimento dessa água, os teores mais baixos de oxigênio atingem a água e a gente verifica de fato, mortandade de peixes, até dentro de unidades de conservação”.

“Diversos estudos vêm mostrando alto índice de desmatamento no interior da bacia, e isso permite um olhar sobre a importância das matas ciliares para a preservação das nascentes”, disse a professora Núbia Araújo Caramello, membro titular do CBH do Rio Branco e Colorado, doutora em geografia, especialista em gestão pública e informações geográficas à gestão ambiental. Ela também lidera o grupo de pesquisa de águas superficiais e subterrâneas, coordenadora do Laboratório de Limnologia e Microbiologia da Unir.

“O que vimos dentro da terra indígena foi um rio extremamente assoreado dentro de uma área de preservação. A Bacia do Rio Branco Colorado está numa altitude superior a 400 metros, e os sedimentos são significativos”.

Núbia reivindica “para o êxito do estudo da bacia a formação continuada e a capacitação da população local”.

A professora bióloga Cíntia Raquel Lauxen manifestou gratidão ao comitê, “em nome de professores não-indígenas”, por ter presenciado o problema. “A todos os que me responderam quando eu precisei; eu estava na aldeia quando comecei a contactá-los, e todos foram muito rápidos”.

Cíntia Lauxen subiu o rio num trecho de 55 quilômetros e se confessou entristecida com o que viu. “A minha primeira hipótese foi a oxigenação, mas é preciso fazer um estudo e voltem a pesquisar. A reposta não atende apenas a TI Rio Branco, mas todos os afluentes ao redor”, disse.

O professor Isaías Tupari, da Unir, acredita que o trabalho realizado é importante: “A mortalidade foi grande, a gente até comentou a possibilidade de veneno jogado na cabeceira do rio, só que não podemos afirmar, e quem pode fazer isso são vocês que estão com aparelhos e podem identificar qualquer tipo de agente tóxico”.

Elogiou a Funai pela colaboração em estudar e identificar as causas. “Às vezes têm tantas coisas a resolver, e eles não conseguem resolver esse problema aí de uma hora para outra”. E conclamou os moradores da TI a somar esforços no sentido de colaborar com a pesquisa para monitorar a região e evitar a repetição do fenômeno.

Hércules Schiave, da Funai: “Quando vi aqueles peixes morrendo, pensei o que seria de nós em meio ao desespero da pandemia, sem saber a resposta ao que estava acontecendo”. Ele classificou a ação dos técnicos como ação de “grande respaldo” à Funai. “Contem sempre conosco no que precisarem”, ele acrescentou.

Nara Luíza Reis, engenheira sanitária e mestre em física ambiental, coordenadora do ProfÁgua
Ampliar a rede

Nara Luíza Reis, engenheira sanitária, mestre em física ambiental e coordenadora do mestrado nacional em gestão de recursos hídricos (ProfÁgua), disse que percebe uma rede se formando em prol de alcançar um objetivo comum.

“As análises laboratoriais foram um exemplo da possibilidade que se constrói a partir de uma demanda específica, e a partir do exemplo bem sucedido dessa ação”. Ela destacou a força que o trabalho em rede pode trazer, quando se atua em melhorias reais, e com base nisso convido a todos para que possamos fortalecer essa rede, incorporando-lhe mais parceiros em benefício de nossos rios, de nossas águas; a turma de 2018 já atua em diversa ações”.

Convidou membros da rede a participar do processo seletivo em gestão e regulação de recursos hídricos, o ProfÁgua. As inscrições ficarão abertas até o dia 19 de janeiro, para o preenchimento de 18 vagas em 2022.

Atualmente, a rede é formada por 14 instituições parceiras, entre as quais a UNIR Campus de Ji-Paraná. O ProfÁgua tem representantes em cinco regiões brasileiras. As aulas são gratuitas e presenciais, com política afirmativas.

Para a professora Elisabete Nascimento, um dos nortes encontrados na identificação dos problemas são as legislações ambientais. Ela mencionou a Resolução Conama nº 357, de 17 de março de 2005, que em seu art. 3º diz: “As águas doces, salobras e salinas do território nacional são classificadas segundo a qualidade requerida para os seus usos preponderantes, em 13 classes de qualidade; prgf. único: As águas de melhor qualidade podem ser aproveitadas em uso menos exigente, desde que este não prejudique a qualidade da água, atendidos outros requisitos pertinentes”.

Elisabete não garante que 100% desse evento se relaciona a problemas naturais, porque depende de estudos mais longos, porém, a possibilidade existe. E chamou a atenção para o art. 13 da Resolução Conama, segundo o qual, nas águas de classe especial deverão ser mantidas as condições naturais do corpo de água.

“Então, quando se fala de terras indígenas, por exemplo, precisamos buscar apoio logístico e financeiro para tais estudos que demonstrarão o que é natural na região ou sob influência antrópica”, ressaltou.

MONTEZUMA CRUZ


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