RO, Quinta-feira, 25 de abril de 2024, às 9:33



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Quero descer

A gente percebe a definitiva velhice instalada quando as doenças começam a se suceder a intervalos cada vez menores. Umas são de estilo, outras, surpreendentes, desfazem a presunção que se tinha quanto à própria saúde. A passagem ocorre geralmente quando nos tornamos septuagenários.

Até então, podíamos ser chamados agradavelmente de cinquentões ou sessentões. Aos 70, as duas consoantes centrais suaves cedem lugar às consoantes duras, o “pt” do septuagenário doendo no ouvido (e nas articulações).

É a hora de encarar a realidade do que se fez e do que ainda é possível fazer. A resposta ao balanço é mais complicada quando, nessa derradeira entrega do bastão do revezamento, o rendimento é decrescente e desanimador. Parece que pegamos o bonde errado no trecho final do percurso. É como nadar muito para vencer o mar encapelado e morrer na praia. O desfecho de derrota anulando todas as conquistas.

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Foi com essa sensação de desalento que acompanhei o desempenho do presidente Jair Bolsonaro em Nova York. Segui os presidentes da república do Brasil a partir do último ano de Getúlio Vargas, na sua ascensão ao cargo pelo voto direto dos brasileiros, quando do seu suicídio, em agosto de 1954.

Pode-se dizer o que se quiser dos presidentes da república de 1946, dos generais da ditadura militar de 1964 e dos civis da redemocratização de 1985. Nem o pior deles se equipara a Bolsonaro, um péssimo militar, que acumulou desvios e desrespeito aos compromissos da carreira até o posto de tenente, e mediocridade, brutalidade e ignorância no desempenho de mandatos eletivos.

No seu rastro ele foi enfileirando práticas características de um delinquente, sem respeitar limites nem seguir o mais elementar padrão moral, ético ou político. Imaginava-se que, talvez, os rituais e as normas do cargo máximo da administração pública pudessem levá-lo a uma mudança de comportamento.

No entanto, continuou a agir igual ao procedimento familiar, grupal e corporativo de antes. Age dentro e fora (no cercadinho) dos palácios do Planalto e da Alvorada como na Barra da Tijuca. E levou esse modo de proceder para a sede das Nações Unidas, abstraindo a presença do alto mundo diplomático e de representação dos países do planeta.

Bolsonaro não é desse mundo. É um desajustado da contemporaneidade, um estranho na corte, um desajeitado, um penetra, um furão. Tem a sua carteira de representante da oitava nação da comunidade humana legitimada pela sua eleição em 2018.

Mas tem se esmerado em desrespeitar e agredir a sociedade e sua forma de organização. Ele não é um construtor. Sua especialidade é destruir. Sua natureza é maligna. Seu ser é incompatível com o bem comum. Seu individualismo extremo repele o que seja coletividade.

Com meus companheiros de viagem, empenhei a minha vida na defesa de causas públicas e na busca por ideais e utopias. Perdemos muitas batalhas, mas ainda tínhamos a esperança de haver novas oportunidades à frente. Essa crença se tornou ilusória. Olhando o horizonte, é impossível não recear de que embarcamos mesmo no trem errado.

Não só por culpa desse desatino no comando do país. Pelo próprio país também. E pelo mundo igualmente. As mentes das pessoas se atrofiam e sua capacidade de exercer o livre arbítrio com base num bom conhecimento de si e do mundo se desfaz, se liquefaz.

Cresce o poder dos “influenciadores” da internet, os sacerdotes dos tempos atuais de tecnologia veloz, miniaturizada, mimética. Obtêm fortunas por suas mentiras edulcoradas, valendo-se daquilo que Marx chamou de idiotia rural. Depois da maior revolução tecnológica, que globalizou o planeta, a expressão ficou mais singular. É simplesmente idiotia.

Amigo leitor: dê o sinal ao motorista; quero descer.

LÚCIO FLÁVIO PINTO
Belém






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