RO, Sexta-feira, 29 de março de 2024, às 6:59



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Canadá estende tentáculos a Rondônia desde os anos 1960

MONTEZUMA CRUZ *

O anúncio da chegada da empresa Canadá Rare Earth Corporation a Rondônia para explorar terras raras a partir do minério de estanho (cassiterita) transporta o leitor ao banco de dados da economia desta região e indica que aqui atuou o grupo Brascan entre os anos 1960 e início dos 80.

Brascan operou longo tempo a Mineração Jacundá, que durante o governo do coronel de Exército João Carlos Mader, extraía do subsolo parte das mais de 2,2 mil toneladas de cassiterita, representando 91,5% da produção beneficiada nacional em 1969.

Mesmo depois da expulsão dos garimpeiros dos terrenos das mineradoras por força da Portaria nº 195 que introduziu a lavra mecanizada, o setor cresce, embora apareça timidamente nas estatísticas oficiais: são mais de 11,4 mil t brutas e pureza de 74,58% que proporcionaram em 2020 o faturamento de R$ 360,5 milhões, 15,84% a mais do que no ano anterior, quando alcançava R$ 311,2 milhões.

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No aspecto ambiental até hoje não solucionado, a Brascan fez parte do cenário da devastação de milhares de hectares no interior das terras que originaram o município de Itapuã do Oeste.

Com sede em Vancouver (Columbia Britânica), a Canadá Rare Earth Corporation anunciou ao governo estadual a instalação de seu empreendimento em Ariquemes, a duzentos quilômetros de Porto Velho,  estimando investimentos de R$ 1,5 bilhão e trezentos empregos diretos. À primeira vista isso pode ser bom, porque o setor não proporciona mais do que mil empregos.

O recém-chegado grupo canadense alardeia mais, colocando esta parte da Amazônia Ocidental Brasileira no mapa da competitividade: Rondônia passaria a ser o primeiro estado da América Latina “com indústria de terras raras, substâncias químicas usadas na indústria para a produção de diversos itens”.

Seus representantes anunciaram o negócio a um plenário infelizmente desfalcado de especialistas no assunto, daí, nenhuma pergunta mais consistente lhes foi dirigida. Nem ao menos a respeito do licenciamento ambiental.

O discurso incorporou  palavra “sustentável” quando se referiram ao rejeito mineral do garimpo Bom Futuro, considerado há três décadas o maior a céu aberto do mundo ?

Na padronização do tamanho de fragmentos e aumento da qualidade e concentração relativa do mineral a ser comercializado, a empresa procede ao beneficiamento mineral. O rejeito nada mais é que o produto originado na fase de separação do minério.

A empresa diz que utilizará o mineral por indústrias de alta tecnologia na fabricação de lasers, cabos de fibras ópticas e até no refino de petróleo.

Nos anos 1970 a voz do locutor Lucivaldo Souza, recentemente falecido aos 73 anos, anunciava na Rádio Caiari AM: “São 11h em Porto Velho, Capital Brasileira do Minério de Estanho”. Justificava-se, pois era mesmo.

Lucivaldo Souza

E onde foi parar o grupo Brascan, depois de ir embora de Rondônia? perguntaria algum o interessado em esclarecer essa parte da história?

Ao menos um ex-diretor do grupo está ancorado na toda poderosa canadense Brookfield [chegou ao Brasil no final dos anos 1800), que no dia 27 de março anunciaria um aporte de R$ 650 milhões na Renova Energia, um de seus novos negócios no País.

A Brookfield Energia Renovável opera no Brasil 43 usinas hidrelétricas, 19 parques eólicos e quatro usinas de geração a partir de biomassa, que somam uma capacidade instalada de aproximadamente 1.600 MW e ativos de aproximadamente R$ 18 bilhões espalhados por dez estados.

No final dos anos 1990, a Estanho de Rondônia S/A negociava a Mineração Jacundá, e logo após, nos anos 2000, a Companhia Siderúrgica Nacional também se interessava pelo seu patrimônio. A Jacundá vendeu e também doou parte das casas de algumas vilas, sobretudo no setor Santa Maria, para moradores e funcionários da empresa que residiam em Itapuã do Oeste.

Com a quebra da cassiterita entre 1989 e 1990, no mercado internacional, a mineração viveu a adaptação à nova realidade imposta pelo mercado, e assim uma parte significativa da população da Jacundá que não foi demitida passou a fixar residência no distrito, mais tarde elevado à condição de município.

Rondônia tem como principais compradores desse minério as fundições de metais não ferrosos: White Solder, Melt Metais, Coopermetal, CFC da Amazônia e Estanho de Rondônia. Transformados, são vendidos no País e no Exterior

Segundo geólogos, o preço do minério de estanho em Ariquemes leva em consideração o preço do estanho no London Metal Exchange (bolsa de metais em Londres, Reino Unido), cotação do dólar e o teor de estanho contido conclui-se retirando de 13 a 15% do montante referente ao custo de processamento.

Segundo o especialista em recursos minerais, economista Antonio Teotônio de Souza Neto, da Agência Nacional de Mineração (ANM), ex-Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), começou no século XVII a mineração no território que se denominou Rondônia (bem depois de pertencer ao velho Matto Grosso).

Desbravadores intencionados no aprisionamento de indígenas buscam ouro, cuja corrida só começou em 1978, quando ocorria a substituição da extração rudimentar do minério de estanho pela mecanizada. Daí, conforme estudos de Teotônio, explica-se a diversidade de substâncias encontradas aqui: cassiterita, chumbo, columbita, ouro, manganês, tantalita, wolframita e zinco. E dos não metálicos: água mineral, areia, argilas comuns, calcário (rochas), cascalho, diamante, gemas, rochas (britadas) e rochas irnamentais (granito e afins).

O Ministério Público Federal nunca revelou se os antigos detentores das lavras minerais no Setor Jacundá, do extinto grupo Brascan, seriam responsabilizados pela buraqueira e pela extinção de espécies árvores medicinais cometidas durante as décadas em que ali estiveram. Mas aí já passamos a outro degrau dessa história que teima permanecer na memória dos que ali trabalharam, viveram e testemunharam tudo.

O que tem a ver Rondônia com Londres?  A Bolsa!

Acordemos para esse assunto do qual, lamentavelmente, não comentam um só minuto, vereadores, deputados e senadores, todos, sem exceção, com cara de paisagem, acostumados a saudar o progresso sem se importar com suas mínimas consequências.

De outro lado, planejadores e gestores econômicos estaduais poderiam contratar geólogos e ambientalistas para trabalhar exclusivamente ao lado de economistas no desenvolvimento dessa área tão estratégica. Desinteresse e cegueira histórica não têm perdão.
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* Com Álbum de Família, Brasilmin e Getty Images

 






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